A Vale e Bolsonaro são as mais perfeitas
expressões do capitalismo neoliberal no mundo*
Por Pedro Paulo Zahluth Bastos**
O desastre da Vale em Brumadinho
foi uma tragédia anunciada. Em dois sentidos: primeiro porque o lobby das mineradoras barra
legislação para evitar o pior. Segundo, em um sentido mais profundo, porque
tragédias ambientais são da lógica do capitalismo, principalmente depois das
reformas neoliberais que mudaram o mundo desde os anos 1980.
O desastre com a barragem da Samarco em Mariana (MG) em novembro de 2015
também é responsabilidade da Vale. A Samarco é um joint venture da
Vale com a anglo-australiana BHP Billiton. A última era a maior empresa de
mineração do mundo em 2013, perdendo a posição para outra anglo-australiana (a
Rio Tinto), que por sua vez teria perdido a posição para a Vale há duas
semanas.
Depois do desastre em Mariana, a comoção levou a promessas de mudança de
conduta por parte da empresa, de um lado, e de dureza na legislação e na
fiscalização, de outro. As promessas foram vãs, pois as mineradoras financiaram
lobby para barrar reformas protetoras do meio-ambiente.
Um projeto
com regras severas de licenciamento ambiental para novas barragens e
fiscalização mais dura das existentes está paralisado na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais há um ano. O projeto aumentava o custo das mineradoras, tanto
por aumentar investimento em prevenção quanto exigir a formação de um fundo
para danos futuros.
Foi vetado
pelos deputados Tadeu Martins Leite (MDB), Gil Pereira (PP) e Thiago Cota
(MDB). O último afirmou à BBC Brasil que o projeto “inviabilizaria a mineração
em Minas Gerais… não teríamos mais como sonhar com o retorno da Samarco. Isso
seria terrível para Mariana, Ouro Preto e toda uma região.”
O lobby
das mineradoras também barrou projeto no Senado que aumentava a fiscalização,
as exigências de segurança e as punições por não cumpri-las. Também exigia a
contratração de seguro ou garantia financeira para cobertura de danos. A exigência
de seguro complementaria a fiscalização pública com a avaliação da seguradora
privada.
Enquanto o
projeto do Senado foi arquivado em 2018, três projetos da Câmara de Deputados
estão parados desde 2016. No Ministério Público, a cobrança no valor de R$ 155
bilhões contra a Samarco está suspensa por conta de negociações com a empresa,
que quer diminuir o valor.
A luta
contra a indenização pelo desastre de Brumadinho já começou. Na segunda-feira o
advogado da Vale, Sérgio Bermudes, afirmou que a empresa “não enxerga razões determinantes de sua responsabilidade” no
estouro da barragem. A repercussão negativa levou a empresa a desautorizá-lo,
mas ele já pediu à Justiça mineira o fim do bloqueio de R$ 11 bilhões para
indenizações.
A Vale
também é conhecida por lutar contra impostos. Como outras empresas, pratica elisão
fiscal através de preços de transferência: exporta para uma coligada em um
paraíso fiscal, que depois revende pelo preço de mercado. Assim, não recolhe
tributos devidos no Brasil (nem no paraíso fiscal).
Sem
limitar-se à Vale, um estudo do economista Guilherme Morlin atestou
uma diferença sistemática entre o preço do minério de ferro exportado pelo
Brasil e a cotação internacional de mercado entre 2009 e 2015. A depender da
base de dados, o subfaturamento totalizou algo entre US$ 39 e 49 bilhões entre
fevereiro de 2009 e dezembro de 2015. Mais de 80% das exportações brasileiras
de ferro foram adquiridas por empresas sediadas na Suíça, um ponto de revenda
que só se justifica por ser conhecido paraíso fiscal.
A perda de
arrecadação tributária foi estimada em nada menos que US$ 12,5 bilhões apenas
em impostos sobre os lucros, sem contar rendimentos financeiros e a CFEM
(Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). Outro estudo do INESC calculou que a Vale pagou
40% a menos do que o devido CFEM em 2013.
Para dizer
o mínimo, a Vale não devolve o que deveria para a coletividade que a abriga. A
empresa é uma expressão perfeita do capitalismo neoliberal. A concorrência
impõe a lógica do capitalismo sobre cada empresa: reduzir custos por todos os
meios e se apropriar gratuitamente de recursos coletivos e naturais não
renováveis até seu esgotamento. Já o neoliberalismo exalta a empresa e
deslegitima o poder público que poderia impor regras e custos para as empresas.
Muitas
empresas não têm compromisso nacional e preferem se deslocar para territórios
com menores custos tributários, trabalhistas, ambientais ou regulatórios.
Quando não podem, seus lobistas, políticos, advogados, intelectuais e
publicitários procuram recriar condições “mais livres” em suas próprias sedes
usando os argumentos neoliberais de sempre.
A má
notícia para os brasileiros é que a melhor expressão mundial da pulsão
neoliberal talvez seja Jair Bolsonaro, para quem a vida do empresário é difícil
por causa das leis trabalhistas, dos impostos e das normas ambientais (a
“indústria da multa”).
*Texto publicado na CartaCapital, na terça-feira, 29 de janeiro de 2019.
**Desde
2002, leciona no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), onde atualmente é Professor Associado (Livre Docente).