Vapor Benjamim Guimarães: Patrimônio Histórico-Cultural do Rio São Francisco. França Neto/jan 2011. |
O Benjamim singra pelas águas do 'Velho Chico'. FN jan 2011. |
Apesar da enquete do blog não registrar justificativas em um pequeno universo de pesquisados, deve-se, portanto, levar em conta o resultado obtido acerca da opinião dos internautas, para uma melhor tomada de decisão na administração pública federal, que poderá submeter ao crivo de uma audiência pública.
Pois bem, o debate sobre a transposição do rio São Francisco não pára por aí. Recentemente o jornal O Tempo, de Belo Horizonte (MG), reacendeu o debate, em sua edição de 11 de fevereiro deste ano, indagando dois especialistas no assunto.
No debate das ideias, uma delas trata-se de uma opinião do mundo político: o deputado estadual Paulo Guedes, do Partido dos Trabalhadores (PT), que foi reeleito em outubro do ano passado, com mais 92 mil votos, e, hoje, representa a principal liderança do Partido na região do Norte de Minas, banhada pelas águas do Velho Chico, e nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Já a outra, uma visão técnica, é representada pela opinião do engenheiro civil Manoel Bomfim Ribeiro, que é mestre em hidrologia e geologia
Veja a seguir o debate sobre a transposição do rio São Francisco, segundo O Tempo, em BH.
DEBATE
O governo está cometendo um erro ao prosseguir a obra de transposição das águas do rio São Francisco?*
Obra essencial (1)
Quem tem conforto em casa, pode abrir a geladeira e beber uma água gelada, tomar um banho gostoso, girar a torneira e vê-la jorrar, experimente passar um dia sem água.
Não sou demagogo; defendo a transposição das águas do rio São Francisco, não por vínculo partidário com o governo; sou um sertanejo que já sentiu na pele o que é a seca. Criado no Norte de Minas, cresci vendo a minha mãe carregar água na cabeça.
Para os que se dizem conhecedores do meio ambiente, mas que não sabem o que é o flagelo da seca, a transposição é uma obra inviável, de alto custo e de interesse político; mas para quem convive com o drama da falta d’água, ela é sinônimo de esperança e de vida.
O projeto vai bombear água para o leito de outras bacias hidrográficas que, historicamente, são atingidas pela falta de chuvas. Os canais transportarão 26,4 m³/s de água - ou seja, apenas 1,4% da vazão média do rio São Francisco após a barragem de Sobradinho. É uma pequena quantidade de água que, inevitavelmente, vai para o mar. O rio não corre para trás, mas essa água que é despejada no oceano Atlântico pode matar a sede de 12 milhões de pessoas e gerar 5.000 empregos no semiárido, evitando que famílias se mudem para os centros urbanos, onde podem se perder de vez.
O projeto de transposição não é criminoso. Criminosa é a omissão de governos que jamais assumiram qualquer iniciativa oficial para combater tal problema. É equivocada a afirmação de que a transposição vai reduzir as águas do rio São Francisco, dificultar a navegação ou acabar com os peixes. O projeto faz parte do marco regulatório de abastecimento de água do Nordeste e não trata apenas de desviar o curso do rio, mas de sua completa revitalização, que já pode ser vista em todos os municípios ribeirinhos.
O programa contempla ações de reflorestamento, controle da irrigação, construção de barragens, melhoria da calha navegável, esgotamento sanitário e um intenso trabalho de educação ambiental. Só no Norte de Minas, mais de 30 municípios estão recebendo investimentos nessas áreas, com recursos que somam cerca de R$ 500 milhões.
Considerado "o rio da integração nacional", o rio São Francisco faz a ligação entre o Sudeste e o Nordeste brasileiro. Em Minas Gerais, a bacia ocupa 40% do território estadual e representa 70% de seu PIB. É preciso cuidar dessa região, que é considerada a "caixa d’água" do Velho Chico. A degradação do rio já dura centenas de anos e sua revitalização não é uma ação de curto prazo e tampouco de responsabilidade só do governo federal. Os governos estaduais e municipais devem ampliar suas ações e trabalhar para o enfrentamento do problema.
Apesar das ameaças causadas pela poluição, pelo assoreamento e pela agressão às suas matas ciliares, o rio São Francisco segue resistindo bravamente. Ele é e continuará sendo uma importante fonte de sustentação dos municípios ribeirinhos e sempre levará vida por onde passa.
1 - Paulo Guedes é deputado estadual (PT-MG) e presidente da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (Cipe São Francisco).
Foco no secundário (2)
O projeto de transposição de águas do rio São Francisco, à luz da engenharia hidráulica, deixa de ser um assunto polêmico para ser uma obra sem qualquer significado. Para alguns, as reações contrárias transformar-se-ão em apoio quando executada a obra. A rede potamográfica do Nordeste, apesar de bem distribuída, era e é intermitente, ficando os leitos dos rios dessecados logo após as chuvas.
Devido à incidência vertical da radiação solar da região, próxima ao Equador, a evaporação chega a 3.000 mm/ano, ou seja, uma coluna líquida de 3 m³ de água sobe pelos ares anualmente.
O nordestino, com sua inventiva, tangido pela necessidade, foi construindo pequenos barramentos que retinham a água por um tempo maior. A ideia foi imitada e todos faziam suas aguadas. As técnicas foram avançando, e o baronato rural começou a executar açudes de médio porte que já suportavam os períodos estivais. Teófilo Guerra dizia: "No sertão, vale mais deixar à família um açude do que um rico palácio".
Os engenheiros nordestinos, no século XX, se tornaram os melhores hidrólogos do mundo nas técnicas da açudagem. Houve uma grande nucleação na construção dessas obras e chegamos aos albores do século XXI com mais de 70 mil açudes no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, que armazenam 40 bilhões de m³, volume equivalente a 16 vezes a baía da Guanabara. Construímos a maior rede de açudes do planeta em regiões áridas e semiáridas, mas a ideia da transposição ficou na cabeça de grupos, sobretudo de alguns políticos.
O subsolo do Nordeste dispõe também de 135 bilhões de m³ de água acumulados, podendo ser extraídos cerca de 27 bilhões por ano, sem baixar o nível piezométrico dos seus aquíferos. A transposição, se for concluída, transportará inicialmente 26 m³/s de água, ou seja, 400 milhões de m³/ano, volume igual a um açude médio. No pico, vai transportar 127 m³/s, ou seja, 2 bilhões por ano, volume igual à evaporação do Castanhão, que evapora 2 bilhões dos 6,7 bilhões que armazena. Esse açude, no Ceará, é o maior do mundo - três vezes a baía da Guanabara.
Os canais norte e leste da transposição vão levar 2 bilhões de m³ de água para oito açudes, que acumulam 13 bilhões e evaporam 4 bilhões por ano. Chegarão mais 2 bilhões dos quais evaporam quatro bilhões. Entendamos: 40 bilhões não resolveram o problema hídrico da região, mas 2 bilhões (5%) vão resolver, diz o governo.
O que falta é distribuição através de um sistema de adutoras. Existem apenas 4.000 km de adutoras principais. Precisamos de 40 mil km para as águas dos nossos açudes viajarem por todos os cantos e recantos do semiárido.
Esta é uma análise resumida, mas verdadeira. A transposição é um crime de lesa-pátria que o governo comete contra o país. Existem no Nordeste 38 obras hídricas do governo, inconclusas ou abandonadas. Essa será mais uma - o coroamento da indústria das secas, cujos escombros em concreto ficarão expostos e eternizados à flor da terra, atestando a incúria e a irresponsabilidade do governo.
2 - Manoel Bomfim Ribeiro é engenheiro civil, mestre em hidrologia e geologia
*Publicado pelo Jornal OTEMPO, BH, em 11/02/2011.
eu achei que manoel bofim tinha que falar um pouco mais sobre os aspectos que negativos dessa transposição
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