quinta-feira, 30 de julho de 2015

O IMBRÓGLIO DA REFORMA FISCAL: avanços e recuos...

Reforma do ICMS pode ser um dos desafios do ‘pacto federativo’ nas votações do Senado no segundo semestre
Senado Federal deve ser palco de grandes votações no 2º semestre deste ano, como a 'Reforma Fiscal'. Ana Volpe/Agência Senado.
Com Agência Senado
BRASÍLIA - O Senado terá de resolver, no segundo semestre de 2015, um dos maiores desafios do pacto federativo, que é a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O tema está na pauta da Casa desde 2013, com avanços e recuos desde então. A maioria dos estados brasileiros precisa da reforma para legalizar os incentivos da guerra fiscal, e o governo federal também a defende com o objetivo de estimular a retomada da economia. Mas há uma série de obstáculos e riscos pelo caminho.

O Projeto de Resolução do Senado (PRS) 1/2013, com a redução das alíquotas interestaduais do imposto, chegou a ser aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em 7 de maio de 2013. Quando estava pronto para votação em Plenário, requerimentos dos senadores Ricardo Ferraço (PMDB-ES), Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) levaram o projeto para as Comissões de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Na CDR, o relator, senador Wellington Fagundes (PR-MT), vem mantendo entendimentos para a elaboração de um substitutivo ao projeto aprovado pela CAE. Um eventual acordo sobre o assunto poderá ter como base o Convênio ICMS 70/2014, que só não recebeu o apoio do estado do Paraná no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Redução
Um dos pontos da reforma é a redução das alíquotas interestaduais, com o fortalecimento da tributação no destino das mercadorias. Alíquotas interestaduais elevadas como as praticadas hoje na origem – de 7% nos estados ricos e de 12% nos pobres – dão margem à guerra fiscal. Muitos estados reduzem essas alíquotas com a finalidade de atrair investidores privados, com a geração de emprego e renda para a população.

Do ponto de vista legal, os incentivos só podem ser concedidos com a anuência dos representantes de todos os estados no Confaz. Com a ausência de uma política federal que contribuísse para a equalização da vantagem competitiva dos estados – situação em que, teoricamente, todos seriam igualmente atrativos –, os mais pobres abriram mão, unilateralmente, de uma parte de suas alíquotas interestaduais do ICMS para compensar a desvantagem e sediar grandes empreendimentos.

À medida que foi aumentando a adesão de mais estados à prática ilegal, a guerra fiscal foi se esgotando na capacidade de atrair investidores, na avaliação de especialistas no assunto. O que sobrou para os estados, além da perda de arrecadação, foi o receio de ver a pendência tornar-se um enorme imbróglio jurídico. É que, diante das reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à inconstitucionalidade desses incentivos fiscais, o ministro Gilmar Mendes propôs à Corte a edição de uma súmula vinculante que consolide esse entendimento.

O STF tem aguardado uma solução política do Congresso antes de editar a súmula, que teria efeito devastador sobre os incentivos. Como esse instrumento tem o poder de vincular toda a administração à decisão, não seriam mais necessárias ações judiciais para contestar os benefícios concedidos às empresas, que cairiam automaticamente.
Relator do projeto de reforma do ICMS na CAE, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que hoje também é líder do governo, observa que a possibilidade de edição da súmula vinculante é uma espada de Dâmocles sobre os estados e leva as empresas que se instalaram nessas unidades federativas a tirar “o pé do acelerador” nos investimentos. Para “desatar esse nó”, segundo o líder, é preciso uma engenharia política e econômica que contemple os diferentes interesses dos estados na questão do ICMS.

Obstáculos
Como o objetivo da reforma é uniformizar as alíquotas interestaduais em torno de 4%, a discussão conduz invariavelmente a reivindicações de exceções que contemplem interesses regionais, como os produtos da Zona Franca de Manaus e o gás boliviano que passa por Mato Grosso do Sul.

Outro problema é representado pelas perdas que alguns estados passam a ter na chamada balança interestadual de mercadorias – quando um produto sai de um estado para outro. Na primeira tentativa de reforma, em 2013, o governo chegou a editar medida provisória criando dois fundos – um para compensar essas perdas e outro para melhorar a posição competitiva dos estados com pouca infraestrutura.

Mas o próprio governo recuou na ocasião, alegando que a reforma tinha sofrido grandes alterações na CAE, e deixou a medida provisória cair por decurso de prazo no Congresso. Agora, a recriação desses mecanismos de compensação é proposta por outra medida provisória - a 683/2015.

Entretanto, a criação desses fundos é condicionada pela MP à instituição e arrecadação de multa de regularização cambial sobre ativos mantidos por brasileiros no exterior. A multa é prevista no PLS 298/2015, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), apoiado pela liderança do governo no Senado.
Na ausência de recursos federais para bancar a reforma do ICMS, como tem admitido o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em reunião com lideranças políticas no Senado, o projeto de Randolfe passou a ser encarado como uma alternativa. Especialistas estimam de que a regularização desses ativos poderá gerar uma arrecadação adicional superior a R$ 100 bilhões.

Se o projeto virar lei, os brasileiros que mantêm recursos e patrimônio no exterior sem declarar à Receita Federal poderão repatriá-los, sem responder por crimes de evasão de divisas ou de omissão de informações ao fisco. O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, previsto no PLS 298/2015, condiciona a legalização à comprovação da origem lícita dos recursos.

Substitutivo apresentado pelo relator na CCJ, Delcídio do Amaral, prevê a regularização por meio de pagamento da alíquota de 17,5% do Imposto de Renda (IR), mais multa de 100% sobre o imposto apurado – o que significa um encargo total de 35%. Na versão original, o projeto previa pagamento pela alíquota do IR da pessoa jurídica ou da pessoa física estabelecida na tabela progressiva, mais multa de 20%.

Destinação
Conforme o substitutivo, metade dos recursos arrecadados - a parte referente à multa – será destinada aos dois fundos criados pela MP 683/2015. Para tanto, o Senado terá de aprovar uma resolução que reduza as alíquotas interestaduais – no caso, o PRS 1/2015. Outra condicionante para a utilização dos recursos por esses dois fundos, de acordo com o substitutivo do relator, é a celebração de convênio entre os estados e o Distrito Federal que discipline os efeitos dos incentivos da guerra fiscal.

A assinatura desses convênios, que permitiria a convalidação dos incentivos, é disciplinada pelo PLS 130/2014-Complementar, de autoria da senadora Lúcia Vânia (sem partido-GO). Esse projeto aguarda decisão da Câmara dos Deputados, onde tramita como PLP 54/2015.

A medida provisória, que poderá ser votado em agosto, tem muitos defensores, como a senadora Vanessa  Grazziotin (PCdoB-AM), e críticos como o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Para Vanessa, a reforma do ICMS ainda não prosperou justamente por falta de uma política de compensação de perdas na receita de alguns estados com a unificação da alíquota do imposto em vendas entre os estados. Segundo ela, essa compensação é assegurada pela MP.

Cássio Cunha Lima, entretanto, aponta problema na origem dos recursos que comporiam o fundo: a regularização, mediante tributação, de contas bancárias não declaradas no exterior. Para o senador, além de criar uma “lavanderia internacional”, a medida é provisória e aposta em recursos finitos. Assim, a compensação aos estados jamais seria completa.

Medidas aprovadas
Mesmo inconclusa, a reforma do ICMS já tem partes resolvidas pelo Legislativo. Uma delas é a repartição do imposto do comércio não presencial (internet e telefone) entre os estados comprador e vendedor. A PEC 07/2015, que deu origem à Emenda à Constitucional 87, integrou o rol das proposições do pacto federativo.

A emenda corrige uma distorção que permitia o recolhimento de todo o ICMS somente pelo estado onde está a sede da loja virtual. O estado de residência do comprador, ou de destino da mercadoria, não tinha qualquer participação no imposto cobrado. Assim, eram beneficiados principalmente os entes da federação mais desenvolvidos, como São Paulo.

O texto promulgado é o que foi modificado pela Câmara dos Deputados, tornando gradual a alteração nas alíquotas e atribuindo aos estados de destino 100% da diferença de alíquotas apenas em 2019. Até lá, vale a seguinte regra de transição: 20% para o destino e 80% para a origem, em 2015; 40% para o destino e 60% para a origem, em 2016; 60% para o destino e 40% para a origem, em 2017; e 80% para o destino e 20% para a origem, em 2018. Promulgada em 16 de abril, a emenda altera o parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição e inclui o artigo 99 nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Outro ponto resolvido pelo Senado decorria da chamada guerra dos portos, uma variante da guerra fiscal. Estados que sediavam portos marítimos – inclusive portos secos – reduziam as alíquotas interestaduais sobre produtos importados, para atrair um maior fluxo de entrada de mercadorias. Uma resolução do Senado – a 13/2012 – unificou em 4% essas alíquotas sobre os importados, para reduzir a margem de manobra dos estados.

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