Robin Hood*: a divisão
que reforça a desigualdade
Por Paulo Guedes** e Leonardo Guerra***
O território de Minas Gerais é
reconhecido por sua diversidade geográfica e por suas desigualdades regionais.
Em todo o Estado, podemos relacionar como os recursos naturais facilitaram a
construção econômica e como essas vantagens, somadas a outras que foram
construídas no decorrer da história, marcam as diferenças de condições de vida
entre os vários territórios mineiros.
E na ausência de instrumentos para a
correção destas profundas desigualdades, vemos acentuar o desequilíbrio social
entre os que habitam os lugares mais privilegiados daqueles que vivem em
condições adversas.
A repartição do ICMS deveria ser um
destes instrumentos para a redução das diferenças que separam as Minas dos
Gerais. Infelizmente, não é. Pelo contrário, age no sentido inverso da lógica
republicana, reforçando nossa desigualdade.
A Lei Robin Hood, inspirada na história
do herói mítico inglês que roubava dos ricos para dar aos pobres, poderia ser
um exemplo de justiça social com os municípios mineiros. Em 1995, quando ela
foi criada, o então governador Eduardo Azeredo já falava em desconcentração de
renda. Nas gestões dos também tucanos Aécio Neves e Anastasia, a lei passou por
várias modificações - sempre apoiadas no discurso da distribuição justa da
cota-parte do ICMS dos municípios. Mas, o que se viu nesses últimos 20 anos foi
o aumento da desigualdade provocado por uma falsa Robin Hood, que tira dos
pobres e dá para os ricos.
A cota-parte do ICMS dos municípios
representa 25% do total do imposto. No ano passado, esse montante destinado aos
853 municípios de Minas Gerais somou R$ 7,8 bilhões. Considerando a população
estimada pelo IBGE, os mineiros tiveram um repasse per capita de R$ 376,04.
Porém, devido às distorcidas regras de repartição do ICMS, observamos grandes
variações de repasse per capita entre os diferentes, e desiguais, municípios
mineiros.
Por exemplo, enquanto um município
situado no rico Quadrilátero Ferrífero (a cerca de 100 km da capital) obteve um
repasse per capita de R$ 10 mil, noutra região, menos abastada, no Vale do
Jequitinhonha/Mucuri, encontramos municípios com um repasse per capita de pouco
mais de R$ 100,00. Voltamos a lembrar: a "média" apurada para o
estado foi de R$ 376,04 por habitante. Porque há tamanha diferença?
Por dois motivos. Primeiro porque o
Artigo 158 da Constituição Federal determina que 2/3 da repartição do ICMS
entre estados e municípios devem ter como referência o Valor Adicionado Fiscal
(VAF) apurado no município. Segundo porque, no âmbito estadual, as regras
existentes (embora limitadas) são incapazes de reverter, minimanente, o efeito
concentrador do peso VAF.
É um fato que a predominância do VAF
concentra uma riqueza que deveria ser distribuída. Com isto, as distorções regionais
são acentuadas ao invés de serem corrigidas. Nas Regiões de Planejamento Norte,
Jequitinhonha/Mucuri, onde residem 12,7% da população mineira, foram repassados
apenas 6,2% de todo o montante do Estado. Nas duas regiões os repasses per
capita foram de R$ 189,33 e de R$ 178,55 respectivamente. Em contraste, temos o
valor per capita transferido para o Triângulo, de R$ 565,2 e o valor repassado,
por habitante, para a Região Central, R$ 469,8. Nessas privilegiadas regiões,
ao contrário do que verificamos ao norte, a proporção de repasse é maior do que
proporção de habitantes.
A verdade é que o peso do VAF faz com que
o imposto apenas retorne para onde ele foi gerado. Por exemplo, existem apenas
21 municípios que possuem repasse per capita superior a R$ 1.440,00. Este
conjunto de municípios, com 4,1% da população do Estado, privilegiados pela
geografia, receberam 19% de todo o repasse de 2014. Na outra ponta, estão os
municípios em que o meio físico é menos favorável e as cidades
predominantemente terciárias. Em muitos deles, o repasse per capita é inferior
a R$ 200,00. Em suma, são mais de 2 milhões de mineiros que, mesmo iguais,
recebem repasses muito menores do que os demais.
Outro fator pouco considerado é a
extensão territorial dos municípios e o seu papel na preservação ambiental do
Estado. Juntos, o Norte, o Jequitinhonha e Mucuri ocupam quase 40% de todo o
território de Minas Gerais e podem ser considerados o pulmão do Estado. A
distribuição dos recursos, que poderia ser um incentivo do governo para a
preservação dessas matas, acaba por desestimular as regiões penalizadas. Se
não, vejamos: um parque de um município da região de Campo das Vertentes chega
a receber R$ 380,00 por hectare, enquanto um outro de um município do Norte de
Minas recebe (pasme!) R$ 0,001. A gritante discrepância chega a quase 4 milhões
de vezes.
O que se discute na proposta de revisão
dos critérios da Lei Robin Hood não é simplesmente tirar dos ricos e dar para
os pobres, e sim corrigir distorções históricas que ampliam o abismo da
desigualdade em Minas Gerais. Com pequenas mudanças nas regras estaduais, é
possível reduzir a distância que separa os valores per capita repassados aos
municípios das diferentes regiões do Estado. Na prática, isso significa a
melhoria de serviços essenciais como educação, saúde e segurança, nas regiões
que sempre estiveram à margem do desenvolvimento. É a desconcentração de renda
para gerar justiça tributária e social.
*Lei nº 12.040, ou, Lei Robin Hood [referência ao um
herói mítico inglês, um fora-da-lei que roubava da nobreza para dar aos pobres]
foi publicada em 28 de dezembro de 1995 que indicava novos critérios para a
distribuição da cota-parte do ICMS dos municípios, visando descentralizar a
distribuição da cota-parte do ICMS dos municípios, desconcentrar renda e
transferir recursos para regiões mais pobres; incentivar a aplicação de
recursos municipais nas áreas sociais; induzir os municípios a aumentarem sua
arrecadação e a utilizarem com mais eficiência os recursos arrecadados, e, por
fim, criar uma parceria entre estado e municípios, tendo como objetivo a
melhoria da qualidade de vida da população destas regiões. Assim, os novos
critérios introduziram outras variáveis que modificaram a metodologia de
cálculo usada.
Confira: Histórico da Lei Robin Hood e Legislação em MG
**GUEDES,
P.: Secretário de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais
(Sedinor) e deputado estadual mais votado da história do Estado de Minas Gerais
na eleição de 2014, com 164.831 votos.
***GUERRA, Leonardo:
É economista
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sinta-se à vontade para postar seu comentário.
Espaço aberto à participação [opinião] e sujeito à moderação em eventuais comentários despretensiosos de um espírito de civilidade e de democracia.
Obrigado pela sua participação.
FN Café NEWS