Ronaldo Tadêu Pena *
Como reitor da UFMG, estou plenamente identificado com os propósitos do Ministério da Educação (MEC) de expandir significativamente o acesso à educação superior pública no Brasil, por meio de iniciativas que promovam também a inclusão social. Já determinei que a Universidade inicie estudos, objetivando a formulação de propostas — em consonância com políticas já delineadas pelo Ministro da Educação e expressas, sobretudo, na minuta de Decreto Presidencial — que, após apreciação da nossa comunidade universitária, possam ser apresentadas ao MEC.
Contudo, a mídia tem dedicado, nas últimas semanas, atenção a uma proposta de remodelação do ensino superior brasileiro, conhecida como “Universidade Nova”, apresentada pelo reitor da Universidade Federal da Bahia. Ela prevê que a formação de ensino superior no país se organize a partir de cursos genéricos, de menor duração, cuja conclusão seria obrigatória para o acesso aos cursos profissionais.
A despeito de trazer à baila algumas discussões importantes, e de conter sugestões interessantes, o projeto da “Universidade Nova” suscita questionamentos mais pelos equívocos que parece conter e pelas ameaças que, no nosso entendimento, podem trazer para a formação universitária em nosso país, com impacto negativo em nosso desenvolvimento econômico e social. São essas as questões que pretendo tratar neste artigo.
A admissão aos cursos superiores é feita, hoje, a partir da escolha prévia – e, certamente, precoce – da carreira profissional. Tendo em vista uma escala de valoração social das profissões, essa escolha prévia permite o ingresso no ensino superior de parcelas expressivas de jovens de famílias pobres. Selecionar alunos para a universidade por grandes áreas do conhecimento, qualquer que seja o exame utilizado, resultará que, em uma instituição como a UFMG, por exemplo, serão selecionados quase exclusivamente estudantes oriundos de classes mais abastadas.
Tenha o nome que tiver, o acesso ao ensino superior dependerá de processo seletivo, pois não há vagas, especialmente no sistema público, para absorver toda a demanda. Mesmo que a UFMG dobre ou triplique seu número atual de vagas oferecida — cerca de 4.500 — chegando, por exemplo, a 12 mil, ainda assim, estará muito longe de atender os quase 70 mil candidatos que, anualmente, demandam ingresso em nossos cursos. Portanto, a cogitação do fim de exame seletivo para acesso à universidade, a médio prazo, pelo menos, não tem qualquer fundamento.
O projeto “Universidade Nova”, pelas formulações relativas ao ciclo básico por grande área de conhecimento poderá, certamente, alongar a formação superior. O curso de medicina, por exemplo, cuja duração atual é de seis anos, se defrontará com problemas para ser concluído no mesmo tempo, no modelo da “Universidade Nova”. Isso representaria um considerável aumento de custos para o país e para as famílias, além de contribuir para frustrar, parcialmente, o desejo de todos de acesso ao ensino superior.
Uma outra incongruência do modelo “Universidade Nova” é que não poderá haver promoção automática dos bacharelados genéricos para os cursos profissionais, pois o número de vagas nestes últimos será bem menor que o de concluintes dos primeiros. Ou seja, será inevitável um segundo vestibular, mais seletivo e concorrido que o atual, dentro da universidade. Além disso, esse modelo muito provavelmente acarretará a diminuição do número de profissionais formados, bem como poderá implicar no seu ingresso mais tardio no mercado de trabalho, sem qualquer ganho efetivo na formação para o exercício profissional.
No mundo inteiro, o ensino superior é ministrado em instituições universitárias — cujo objetivo precípuo é tanto a formação de estudantes quanto a produção de conhecimento, ou seja, a realização de pesquisas — e em instituições não-universitárias, que são organizadas visando exclusivamente ministrar o ensino. Ambos os tipos são essenciais para um país. As universidades, pelas pesquisas que realizam e pela natureza de formação que possibilitam, estão intimamente relacionadas ao desenvolvimento econômico e social de cada país. O modelo da “Universidade Nova” poderá diminuir a capacidade de realização de pesquisas das universidades. Como a proposta parece se ancorar na idéia de ser implantada apenas no sistema federal, haverá um forte desequilíbrio regional, beneficiando alguns poucos Estados que têm expressivo parque universitário estadual, mas poucas vagas em instituições federais.
São essas as razões, entre outras que poderemos tratar em futuras oportunidades, que me levam a não acolher um projeto que apresenta tantas fragilidades como as aqui mencionadas e que pode comprometer, de forma tão decisiva, o futuro da Universidade Pública Brasileira.
* Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
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