terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

PORÕES DA DITADURA DE 1964 NO BRASIL: Comissão da Verdade faz vir à tona documentos que revelam violência, tortura e mortes sofridas por políticos, intelectuais e jornalistas

Filha de Rubens Paiva disse que família se sentiu aliviada com revelação sobre a morte do pai
O deputado federal Rubens Paiva foi morto no DOI-Codi, diz Comissão da Verdade. Foto: Arquivo Globo News.
Luciano Nascimento/Repórter da Agência Brasil
BRASÍLIA - “O sentimento ontem (4) foi mais uma vez dar conta do luto interminável de 42 anos. Hoje é uma certa sensação de alívio,” disse emocionada a psicóloga Vera Paiva durante entrevista coletiva a respeito da revelação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) sobre a morte de seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva. Documentos revelados pela comissão indicam que Paiva morreu sob custódia do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 1º Exército, no Rio de Janeiro.

A filha de Rubens Paiva elogiou o trabalho da CNV e disse que se sentia privilegiada com o fato do caso do seu pai ter sido o primeiro “elucidado” pela comissão, mas considerou que ainda gostaria de saber quem de fato o torturou. “A gente imaginava que tinha acontecido, tinha indícios, mas não tinha prova material. Com esses últimos documentos, um capitulo se encerrou, mas nós temos outros que é chegar, de fato, a quem procedeu a tortura e a morte de meu pai.”
Vera disse que a família espera que as pessoas responsáveis pela morte de Rubens Paiva sejam julgados “com direito a defesa, diante de uma lei que não seja de exceção.” E acrescentou que não é uma questão de revanchismo, mas de “justiça democrática”. "Eu gostaria que acontecesse com elas o que não aconteceu com toda a geração de brasileiros que foi presa, torturada e assassinada ou desapareceu como no caso do meu pai.” 
O coordenador da CNV, Cláudio Fonteles disse que a comissão está investigando e espera poder chegar em breve aos nomes da equipe que torturou e executou o ex-deputado, bem como de quem foi a ordem. De acordo com Fonteles, três pessoas seriam as responsáveis pela morte de Paiva. Uma delas já teria morrido. “Nós temos provas documentais sobre o caso e estamos tomando providências para ouvir essas pessoas,” revelou.

Durante a entrevista, Vera se emocionou ao lembrar do pai e disse que embora a Comissão de Anistia tenha reconhecido a morte de Rubens Paiva, em 1997, o fato de não ter informações sobre as circunstâncias da morte do ex-deputado sempre angustiou a família. “Eu resolvi essa questão em 1981 quando tive que dizer pra mim mesma que meu pai estava morto. Minha mãe só resolveu isso [no espírito dela] em 1997, quando recebeu o atestado de óbito no governo de Fernando Henrique Cardoso”. 

Acompanhada durante a entrevista por amigos que também participaram da luta pela anistia e pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, Vera disse que também espera que outros casos sejam investigados e esclarecidos pela CNV. “Temos vários casos de mais famílias que a gente precisa ajudar a investigar,” disse.

A versão oficial da ditadura militar indicava o ex-deputado como desaparecido. Na versão divulgada pelo 1º Exército, Rubens Paiva foi resgatado por militantes de esquerda no dia 22 de janeiro de 1971, enquanto estava sob custódia dos militares. As investigações da Comissão Nacional da Verdade indicam que o ex-deputado foi assassinado, sob tortura, nas dependências do DOI-Codi do Rio de Janeiro.
Edição: Fábio Massalli

Rubens Paiva morreu no DOI-Codi, diz coordenador da Comissão da Verdade

O deputado Rubens Paiva desapareceu em 1971
AGÊNCIA BRASIL

O deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971. Em 2011, a exposição "Não tens epitáfio pois és bandeira" resgatou a trajetória de vida e a obra do ex-deputado. (Foto: Renato Araújo/ABr)
“Na minha conclusão eu afirmo categoricamente que ele [Rubens Paiva] foi morto no DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna] pelo 1º Exército,” disse na noite de segunda-feira (4) o coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Cláudio Fonteles. “A prova documental é muito forte. Ela vem do próprio sistema ditatorial militar com a tarja de secreto”. 

Em novembro de 2012, a comissão recebeu uma série de documentos com informações inéditas sobre o desaparecimento do deputado Rubens Paiva em 1971. Os documentos recebidos pela comissão em novembro, em Porto Alegre, confirmam que após ser preso por uma equipe do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), em 20 de janeiro de 1971, em sua casa, no Rio de Janeiro, Paiva foi entregue ao DOI-Codi no dia seguinte.

Fonteles disse que os documentos permitiram construir outra linha de investigação sobre o desaparecimento de Rubens Paiva. “No caso do Molina, nós tínhamos dois documentos que mostram que membros do Cisa prenderam Rubens Paiva e mais duas senhoras e entregaram essas pessoas no DOI-Codi do 1º Exército”, disse Fonteles. 

A confirmação do assassinato, de acordo com o coordenador da CNV, veio com dois documentos encontrado no Arquivo Nacional. O Informe nº 70, de 25 de janeiro de 1971, redigido pela agência do Rio de Janeiro do Serviço Nacional de Inteligência (SNI). O documento, de caráter confidencial, informa o que aconteceu com Rubens Paiva do dia 20, quando foi preso, até o dia 25 de janeiro.

Para Fonteles, os documentos revelados desmontam a versão oficial da ditadura militar de que o ex-deputado teria sido resgatado por “terroristas” no dia 22 de janeiro, enquanto estava sob custódia do Exército e indicam que o ex-deputado foi assassinado, sob tortura, nas dependências do DOI-Codi do Rio de Janeiro. “Mentiu. Mentiu sim a versão oficial do Estado ditatorial militar que dizia que ele fugiu e que estaria foragido até hoje.”
Em dezembro, a Câmara do Deputados fez uma sessão solene para devolver simbolicamente os mandatos dos deputados perseguidos e cassados pelo regime militar, entre eles, Rubens Paiva.

Fonteles acredita que o desaparecimento de Rubens Paiva está esclarecido e que é possível, caso os parentes desejem, entrar com pedido para que a Justiça oficialize a sua certidão de óbito. “Para mim está esclarecido. Só falta pontuar quem foi que matou. Quem matou, você não tenha a menor dúvida, foi o Estado ditatorial militar. Agora, alguém deu um tiro, alguém deu socos. Só falta saber o nome.”

O próximo passo será ouvir os militares envolvidas com o desaparecimento. “Há uma outra equipe que a partir daqui vai ouvir pessoas envolvidas na questão e apontar as responsabilidades, disse.”

Desde novembro, a CNV vem divulgando na internet vários textos sobre esses e outros assuntos. Além do caso Rubens Paiva, a comissão também divulgou na segunda-feira documentos sobre o desaparecimento no Brasil do jornalista Edmur Camargo, o Gauchão, e retomou a discussão sobre o Estado ditatorial militar. "Os textos são uma primeira devolução da comissão à sociedade sobre o período da ditadura," disse Fonteles, que fica na coordenação até o dia 15 de fevereiro, quando será substituído por Paulo Sérgio Pinheiro, que também é integrante da CNV.

Atestado de óbito de Vladimir Herzog dirá que ele morreu por maus-tratos

Retificação foi pedida pela Comissão Nacional da Verdade

O jornalista Vladimir Herzog na redação da BBC, em Londres, em 1965. (Foto: Instituto Vladimir Herzog)
AGÊNCIA BRASIL
O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), determinou na noite de segunda-feira (24) a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, que morreu em 1975 na capital paulista. O atestado, emitido no período da ditadura, indicava que sua morte foi consequência de suicídio. Porém, por ordem da Justiça o atestado de óbito informará que a morte dele foi causada por maus-tratos.

Jornalista Vladimir Herzog foi morto numa cela do DOI-Codi, em São Paulo, no ano de 1975. A versão de sucídio,  formulada pelos militares, sempre foi contestada pela família e imprensa e pelos amigos. Foto: Dops (Departamento de Ordem Social e Política/Silvaldo Leung Vieira)
O juiz determinou que, a partir de agora, passe a constar no documento a seguinte informação: “A morte [de Herzog] decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército – SP (DOI-Codi)”. O DOI-Codi era a sigla conhecida do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna subordinado ao Exército, que atuava como órgão de inteligência e repressão do governo.
A retificação foi um pedido da Comissão Nacional da Verdade, representada pelo coordenador, ministro Gilson Dipp. A solicitação foi encaminhada a pedido da viúva Clarice Herzog. Na decisão, o juiz Bonillha Filho elogiou a atuação da comissão.
“[A comissão] conta com respaldo legal para exercer diversos poderes administrativos e praticar atos compatíveis com suas atribuições legais, entre as quais recomendações de ‘adoção de medidas destinadas à efetiva reconciliação nacional, promovendo a reconstrução da história’”, disse o magistrado na sua decisão.
Nascido na Croácia, Vlado Herzog passou a assinar Vladimir por considerar seu nome exótico. Naturalizado brasileiro, ele se tornou um dos destaques do movimento pela restauração da democracia no Brasil, depois do golpe militar de 1964. Era militante do Partido Comunista e sofreu torturas em São Paulo.
Em 25 de outubro, Vladimir foi encontrado morto. Segundo informações fornecidas na época, o jornalista foi localizado enforcado com o cinto que usava. Porém, a família e os amigos jamais aceitaram essa versão sobre a morte dele. Nas fotos divulgadas, o jornalista estava com as pernas dobradas e no pescoço havia duas marcas de enforcamento, indicando estrangulamento. No período da ditadura, eram comuns as versões de morte associadas a suicídio.

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