Apartheid ou bairrismo contra o estrangeiro/forasteiro na eleição municipal para prefeito em Montes Claros?
Por França Neto
Guernica, de Pablo Picasso - 1937 |
Durante
sucessivos governos do Partido Nacional, a África do Sul foi ensandecida pelo apartheid,
que era um regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994, no qual os
direitos sociais, humanos e políticos da grande maioria dos habitantes – ‘a
população negra’ – foram restringidos pelo governo formado pela minoria da
população branca.
A política
oficial de segregação racial dividia a África do Sul entre negros e brancos. Os
negros, por exemplo, eram segregados pela minoria branca a áreas residenciais,
muitas vezes através de remoções forçadas do convívio social, oferecendo-lhes
serviços de qualidade inferiores, em condições subumanas.
O
chamado bairrismo, de acordo com conceituações clássicas, significa
a qualidade ou ação de quem frequenta ou habita um bairro. No entanto, o termo
bairrismo evoluiu para uma conotação negativa e hoje está, geralmente,
vinculado a uma visão estreita de mundo que ‘menospreza tudo aquilo
que vem de fora’, considerando, portanto, sua terra natal como um
local sagrado e intocável para os forasteiros ou estrangeiros.
Diante dessa
revisão de termos, será que o apartheid e o bairrismo contra o
estrangeiro ou forasteiro são fatores determinantes e legítimos para um grupo
político querer governar Montes Claros por quatro anos?
Pois bem,
indago isso porque fiquei muito apreensivo com fatos e versões surgidos na
eleição deste ano para prefeito na cidade, quando se veiculou, na semana passada, em pleno horário
eleitoral um spot publicitário divulgado no rádio, de uma
coligação partidária, que trazia o menosprezo a um moto-taxista forasteiro.
Durante a encenação no spot, um passageiro perguntava ao
moto-taxista onde fica tal bairro da cidade. De imediato, o moto-taxista
respondeu que ‘não sabia’. O diálogo entre os dois prossegue, passando a ser
assim: o passageiro então pergunta: “– ué, você não é daqui, não”. O motoqueiro
responde: “ – não. Sou de Manga (cidade)”. O passageiro, com deboche: “– ah,
você é de Manga! Então, você não conhece a cidade”, numa alusão à candidatura
adversária, que tem como cabeça de chapa um deputado estadual que foi vereador
em Manga (MG).
Além disso,
há notícias anônimas, sem confirmação, de que a coligação responsável
pelo spot tenha centrado fogo contra esses forasteiros e
estrangeiros que moram na cidade. Ou seja: em hipótese nenhuma, seus membros
aceitam/toleram a eleição de um forasteiro ou estrangeiro em Montes Claros.
Na minha
visão cosmopolita, senti-me ofendido e preocupado, pois sou, antes tudo,
cidadão do mundo. Além do mais, moro e atuo como professor nesta cidade há 10
anos. Sou, portanto, cidadão forasteiro, nascido em Manga (com muito orgulho) e
adotado por mais de 20 anos em Belo Horizonte (MG), onde tive uma plena
formação crítico-acadêmica. Nas horas vagas, reservo-me na tentativa de exercer
o jornalismo ético neste ciberespaço, que tem o compromisso com o
desenvolvimento humano.
Creio que
esse comportamento de intolerância aos estrangeiros não só ofendeu a mim
enquanto cidadão, mas agrediu e desrespeitou a todos aqueles que aqui vieram
viver, sobreviver e sonhar.
Não quero
aqui atingir, com uma visão mesquinha e reducionista, nem o candidato
da coligação A nem o candidato da coligação B. Mas, falo,
neste humilde espaço, de convicções críticas e éticas que me fizeram refletir
sobre essas ideologias conservadoras, preconceituosas e xenófobas contra o
estrangeiro, as quais prevalecem, ainda, na eleição 2012 para prefeito em
Montes Claros, caracterizando como atraso para o desenvolvimento
socioeconômico, educacional e cultural na cidade.
Nessas
reflexões, pude compartilhar com colegas de profissão, alguns deles:
corjesuense, navarrense, eneapolitano bocaiuvense, januarense, belo-horizontino
e montesclarense, o quão prevalece ainda na cultura da política local o ranço
contra aqueles que vêm de fora. Numa análise superficial,
constata-se o bairrismo que impede qualquer proposta de renovação,
formulada por alguém que seja de fora, assegurando, assim, o status
quo de velhas elites que tentam perpetuar o poder político na cidade.
Nesse embate entre tradição e modernidade, percebe-se, também, por meio da
análise dos discursos, os que querem iludir e os querem iluminar em
suas propostas para se chegar à Administração Pública local.
Destarte,
Montes Claros, cidade com pouco mais de 370 mil habitantes (246.711 eleitores),
o sexto maior município em população no Estado e a maior cidade do Norte Minas,
não pode ficar refém dessas ideologias conservadoras, tão enclausuradas em suas
redomas, promovendo o bairrismo, ou pior, o apartheid sociocultural
e político que, longe de ser uma perspectiva concreta/efetiva na nossa
sociedade, suscita, às vezes, em pequenos grupos sociais na cidade, de forma
furtiva.
Além do
mais, Montes Claros, como qualquer adensamento demográfico (BH, Rio e SP), é
constituída em sua esmagadora maioria populacional de estrangeiros ou
forasteiros. Estima-se, por exemplo, que pouco mais de 70% dessas populações
seja formada pelos habitantes que advêm do fluxo migratório de outras regiões e
cidades ou outros estados e países. São cidades que, pelo seu desenvolvimento,
vão tomando a feição de cosmopolita.
Diante disso,
será que vamos permanecer, em pleno século XXI, com atitudes pífias em nossas
relações de intolerância para com o outro: estrangeiro, forasteiro, pobres,
minorias, etnias, etc., ignorando, assim, a sua diversidade cultural e suas
colaborações, do ponto de vista socioeconômico, na construção de uma cidade
mais justa e digna para se viver? Será que tais atitudes evidenciam ainda mais
o apartheid ou o bairrismo contra o
estrangeiro/forasteiro na cidade? Em quais dimensões e proporções ocorrem essas
atitudes nas relações sociais? São questões que devemos refletir sempre...
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