sábado, 20 de outubro de 2012

Algumas palavras na sucessão municipal em Montes Claros

Guernica, de Pablo Picasso - 1937
Durante sucessivos governos do Partido Nacional, a África do Sul foi ensandecida pelo apartheid, que era um regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994, no qual os direitos sociais, humanos e políticos da grande maioria dos habitantes – ‘a população negra’ – foram restringidos pelo governo formado pela minoria da população branca.

A política oficial de segregação racial dividia a África do Sul entre negros e brancos. Os negros, por exemplo, eram segregados pela minoria branca a áreas residenciais, muitas vezes através de remoções forçadas do convívio social, oferecendo-lhes serviços de qualidade inferiores, em condições subumanas.
O chamado bairrismo, de acordo com conceituações clássicas, significa a qualidade ou ação de quem frequenta ou habita um bairro. No entanto, o termo bairrismo evoluiu para uma conotação negativa e hoje está, geralmente, vinculado a uma visão estreita de mundo que ‘menospreza tudo aquilo que vem de fora’, considerando, portanto, sua terra natal como um local sagrado e intocável para os forasteiros ou estrangeiros.
Diante dessa revisão de termos, será que o apartheid e o bairrismo contra o estrangeiro ou forasteiro são fatores determinantes e legítimos para um grupo político querer governar Montes Claros por quatro anos?
Pois bem, indago isso porque fiquei muito apreensivo com fatos e versões surgidos na eleição deste ano para prefeito na cidade, quando se veiculou, na semana passada, em pleno horário eleitoral um spot publicitário divulgado no rádio, de uma coligação partidária, que trazia o menosprezo a um moto-taxista forasteiro. Durante a encenação no spot, um passageiro perguntava ao moto-taxista onde fica tal bairro da cidade. De imediato, o moto-taxista respondeu que ‘não sabia’. O diálogo entre os dois prossegue, passando a ser assim: o passageiro então pergunta: “– ué, você não é daqui, não”. O motoqueiro responde: “ – não. Sou de Manga (cidade)”. O passageiro, com deboche: “– ah, você é de Manga! Então, você não conhece a cidade”, numa alusão à candidatura adversária, que tem como cabeça de chapa um deputado estadual que foi vereador em Manga (MG).
Além disso, há notícias anônimas, sem confirmação, de que a coligação responsável pelo spot tenha centrado fogo contra esses forasteiros e estrangeiros que moram na cidade. Ou seja: em hipótese nenhuma, seus membros aceitam/toleram a eleição de um forasteiro ou estrangeiro em Montes Claros.
Na minha visão cosmopolita, senti-me ofendido e preocupado, pois sou, antes tudo, cidadão do mundo. Além do mais, moro e atuo como professor nesta cidade há 10 anos. Sou, portanto, cidadão forasteiro, nascido em Manga (com muito orgulho) e adotado por mais de 20 anos em Belo Horizonte (MG), onde tive uma plena formação crítico-acadêmica. Nas horas vagas, reservo-me na tentativa de exercer o jornalismo ético neste ciberespaço, que tem o compromisso com o desenvolvimento humano.
Creio que esse comportamento de intolerância aos estrangeiros não só ofendeu a mim enquanto cidadão, mas agrediu e desrespeitou a todos aqueles que aqui vieram viver, sobreviver e sonhar.
Não quero aqui atingir, com uma visão mesquinha e reducionista, nem o candidato da coligação A nem o candidato da coligação B. Mas, falo, neste humilde espaço, de convicções críticas e éticas que me fizeram refletir sobre essas ideologias conservadoras, preconceituosas e xenófobas contra o estrangeiro, as quais prevalecem, ainda, na eleição 2012 para prefeito em Montes Claros, caracterizando como atraso para o desenvolvimento socioeconômico, educacional e cultural na cidade.
Nessas reflexões, pude compartilhar com colegas de profissão, alguns deles: corjesuense, navarrense, eneapolitano bocaiuvense, januarense, belo-horizontino e montesclarense, o quão prevalece ainda na cultura da política local o ranço contra aqueles que vêm de fora. Numa análise superficial, constata-se o bairrismo que impede qualquer proposta de renovação, formulada por alguém que seja de fora, assegurando, assim, o status quo de velhas elites que tentam perpetuar o poder político na cidade. Nesse embate entre tradição e modernidade, percebe-se, também, por meio da análise dos discursos, os que querem iludir e os querem iluminar em suas propostas para se chegar à Administração Pública local.
Destarte, Montes Claros, cidade com pouco mais de 370 mil habitantes (246.711 eleitores), o sexto maior município em população no Estado e a maior cidade do Norte Minas, não pode ficar refém dessas ideologias conservadoras, tão enclausuradas em suas redomas, promovendo o bairrismo, ou piorapartheid sociocultural e político que, longe de ser uma perspectiva concreta/efetiva na nossa sociedade, suscita, às vezes, em pequenos grupos sociais na cidade, de forma furtiva.
Além do mais, Montes Claros, como qualquer adensamento demográfico (BH, Rio e SP), é constituída em sua esmagadora maioria populacional de estrangeiros ou forasteiros. Estima-se, por exemplo, que pouco mais de 70% dessas populações seja formada pelos habitantes que advêm do fluxo migratório de outras regiões e cidades ou outros estados e países. São cidades que, pelo seu desenvolvimento, vão tomando a feição de cosmopolita.
Diante disso, será que vamos permanecer, em pleno século XXI, com atitudes pífias em nossas relações de intolerância para com o outro: estrangeiro, forasteiro, pobres, minorias, etnias, etc., ignorando, assim, a sua diversidade cultural e suas colaborações, do ponto de vista socioeconômico, na construção de uma cidade mais justa e digna para se viver? Será que tais atitudes evidenciam ainda mais o apartheid ou o bairrismo contra o estrangeiro/forasteiro na cidade? Em quais dimensões e proporções ocorrem essas atitudes nas relações sociais? São questões que devemos refletir sempre...

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