Teles buscam brechas no Marco Civil para driblar
neutralidade
Representante do setor disse que haveria em andamento acordo sobre um decreto para regulamentar as exceções ao princípio
Operadoras de telecomunicações tentam driblar possíveis brechas no 'Marco Regulatório Civil' da Internet no Brasil. Foto: Agência Estado abr. 2014. |
SÃO PAULO – Após a aprovação do Marco
Civil da Internet pelo Congresso e sanção pela presidente Dilma Rousseff, o
relator do então projeto de lei, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ),
sabia que novas brigas surgiriam. As empresas de telecomunicações, que tanto
insistiram em mudanças enquanto a discussão corria na Câmara, agora pretendem
explorar possíveis brechas por meio de diferentes interpretações da lei,
afirmando que o texto não veta a venda de pacotes de dados diferenciados por
conteúdo.
Na primeira sessão plenária do dia na
NETmundial, Alexander Castro, representante do sindicato das companhias do
setor (Sinditelebrasil), disse que haveria um acordo em andamento sobre um
decreto para regulamentar as exceções da neutralidade de rede, um dos
principais princípios defendidos no Marco Civil, sancionado na abertura do
evento pela presidente Dilma Rousseff.
‘Não há como contornar o que está no Marco Civil’, diz relator.Deputado Alessandro Molon rebate operadoras e diz que “conceito de neutralidade é cristalino".
Uma fonte próxima ao assunto, relacionada
às empresas e ao sindicato, afirmou que as operadoras tentariam legitimar
acordos com as OTTs (Over-the-top content), como são chamadas empresas que
exigem muita banda larga para o tráfego de seus conteúdos, sendo o maior
exemplo a Netflix. Ao Link,
o deputado Alessandro Molon rebateu a intenção e disse que o princípio da
neutralidade em vigor no Brasil por meio do Marco Civil da Internet é claro e
que “não há como contornar a lei”.
“O conceito de neutralidade é cristalino.
Não pode haver discriminação de pacotes de dados pela rede em função da sua
origem, conteúdo, destino, serviço, terminal ou aplicação”, disse. “Isso seria
discriminar em função da origem, talvez não discriminem pelo destino, mas pela
origem sim. Dependendo da origem o conteúdo chegaria mais rápido para o
usuário? Então não pode.”
Para a advogada do Instituto de Defesa do
Consumidor (Idec), Veridiana Alimonti, além de discriminar conteúdo, a prática
geraria uma discriminação econômica. “Quem quer ter um Netflix mais rápido, o
que podemos oferecer é um plano de banda larga melhor, ou podemos discutir
sobre a criação de mais pontos de troca de tráfego no Brasil”, diz Alimonti,
que também participa do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). “Mas acordos
comerciais entre empresas de conteúdo e empresas de telecomunicações para um
privilégio de tráfego são muito complicados, porque isso é uma afronta a algo
que é muito importante na internet: a criatividade e a inovação.”
O fundador do Núcleo de Direito, Internet
e Sociedade (NDIS) da Faculdade de Direito da USP, Dennys Antonialli, acredita
que a permissão para modelos de negócios, prevista no texto do Marco Civil não
pode ser utilizada pelas operadoras como brecha. “Pelo Marco Civil, essa
liberdade existe, desde que se respeite esse tráfego de maneira isonômica”,
explica.
Para o doutorando, há uma chance de que o
Judiciário se torne parte importante na discussão, agora que há o Marco Civil
direcionando as decisões legais. Mas essa jurisprudência pode gerar
controvérsias. “O problema de judicializar é que o judiciário não está pronto
para lidar com essas questões técnicas ainda, ao menos não de forma homogênea,
tanto do ponto de vista do funcionamento da rede como do ponto de vista concorrencial,
para decidir sobre neutralidade da rede.”
Para o deputado Alessandro Molon, “se
começarem a surgir interpretações sobre o texto que o parlamento não pretendia,
o parlamento deve corrigi-lo, tornando ainda mais claro o trecho que esteja
gerando alguma ambiguidade.”
NETmundial. Em sua fala, Castro, do Sinditelebrasil,
questionou ainda os parágrafos 5, 10 e 12 do rascunho da carta de princípios
discutida no evento. O parágrafo 12, em especial, pode ser interpretado como
uma referência à própria neutralidade de rede, ainda que sem citá-la
explicitamente. O texto prevê “tratamento técnico igualitário de todos os
protocolos e dados”. A diretiva antes no evento, no entanto, era de não abordar
o assunto no documento, uma vez que não há consenso sobre o tema em outros
países.
Paul Mitchell, representante da
Microsoft, defendeu na NETmundial alterações no mesmo parágrafo. “Tratar dados
de forma igualitária no âmbito técnico é impossível, já que há serviços
críticos e emergenciais que devem ter prioridade”, diz.
Apesar de elogiar o Marco Civil da
Internet e a jornada brasileira no estabelecimento de princípios para a rede,
ele afirma que a neutralidade não pode ser imposta à força neste momento, uma
vez que seria necessário mais discussão na esfera de cada país. “É ótimo que o
Brasil tenha chegado a um consenso e aprovado a neutralidade em forma de lei,
mas ainda não há consenso global sobre o tema”, diz.
Em sua fala na sessão plenária, o
embaixador dos Estados Unidos Daniel Sepuvelda afirmou nesta quinta-feira que a
neutralidade deveria ser discutida mais à frente, no Fórum de Governança da
Internet (IGF), agendado para setembro, na Turquia. Segundo ele, o assunto
estava se tornando um obstáculo para o desenvolvimento das discussões no
NETmundial.
FCC. O debate sobre o tema se acalorou nos
Estados Unidos nos últimos dias. Segundo reportagem do jornal Wall Street Journal, a Comissão Federal de
Comunicações (FCC) dos EUA planeja propor novas regras que põem em risco a
neutralidade de rede em solo americano. Com a nova
regulamentação, empresas poderiam pagar a provedores de internet para
acesso mais rápido por seus conteúdos – como já fez o Netflix com a Comcast.
As novas regras da FCC legalizariam
acordos entre empresas para pacotes de tráfego no país, desde que fossem
“comercialmente sensatos”, o que fere o princípio de neutralidade de rede. Em
uma rede neutra, provedores não podem cobrar mais, dar preferência ou diminuir
a velocidade de conexão de sites ou aplicativos de acordo com seu conteúdo. No
entanto, as regras da FCC garantiriam que as empresas deveriam deixar claro
como gerenciam o tráfego da internet e não poderiam restringir a navegação dos
usuários. A votaçao da proposta deve ocorrer no mês de maio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sinta-se à vontade para postar seu comentário.
Espaço aberto à participação [opinião] e sujeito à moderação em eventuais comentários despretensiosos de um espírito de civilidade e de democracia.
Obrigado pela sua participação.
FN Café NEWS