Fechamento das comportas da Usina de Três Marias esvazia leito do rio São
Francisco
O leito do Rio São Francisco está praticamente seco em alguns trechos em Pirapora, como nas proximidades da histórica ponte Marechal Hermes. Foto: Xu Medeiros. |
Luiz
Ribeiro – Jornal Estado de Minas/BH – em.com.br
Enquanto
Belo Horizonte e a região Metropolitana enfrentam temporais, inundações e
alagamentos, como os ocorridos na capital na terça, na quarta e na
quinta-feira, em alguns locais no Norte de Minas o leito do Rio São Francisco,
o “Velho Chico”, está praticamente seco, em decorrência da redução da vazão da
Usina de Três Marias. A diminuição do volume de água liberado pelas comportas
da represa, determinada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), criou
um cenário de desolação que moradores mais antigos da região afirmam nunca ter
visto desde a inauguração da usina, em 1962.
Em
Pirapora, o problema é mais grave e visível nas chamadas duchas do Rio São
Francisco, localizadas próximo à histórica ponte Marechal Hermes e consideradas
uma atração turística do município. A drástica diminuição do volume do Velho
Chico gera danos ambientais, ameaçando a sobrevivência dos cardumes. Também
dificulta a navegação e provoca outra apreensão: a possibilidade de comprometer
a captação de água para o abastecimento da cidade.
A
situação piorou devido à falta de chuvas nos últimos três meses. De acordo com
o Centro de Climatologia (Climatempo) da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC-Minas), o índice pluviométrico na região de Três Marias no
primeiro trimestre foi o pior dos últimos 10 anos, em torno de 150 milímetros,
enquanto a média histórica no período varia de 300 a 400 milímetros. Por conta
da falta de chuvas, o reservatório de Três Marias está com apenas 19% de sua
capacidade. A ordem do ONS levou à redução da vazão da usina de 500 mil litros
por segundo para 250 mil. E o pior ainda está por vir, pois já há orientação
para que a partir do dia 15 a vazão passe para 200 mil litros por segundo. O
quadro só vai melhorar quando voltar a chover. Porém, segundo o serviço de
meteorologia, pelo menos para este mês não existe previsão de quantidade de
chuvas suficiente para reverter a situação.
Pirapora
, cidade com cerca de 51 mil habitantes, sofre mais com os efeitos da
diminuição da vazão de Três Marias por causa da sua localização, a apenas 168
quilômetros da represa. No trecho entre a hidrelétrica e o município, o São
Francisco recebe água de apenas um afluente de maior porte, o Rio Abaeté. Outro
fator negativo é que, com a vizinha Buritizeiro, o município fica situado
acima da foz do Rio das Velhas, um dos principais afluentes da margem direita
do Velho Chico. Assim, as chuvas em algumas áreas, como a Região Metropolitana
de Belo Horizonte, contribuem para melhorar a vazão do Rio das Velhas e chegam
ao São Francisco, mas não beneficiam o município.
“Estamos
muito preocupados. Se não chover nos próximos dias, a situação vai piorar e o
impacto no turismo será muito grande”, alerta Anselmo Matos, presidente da
Empresa Municipal de Turismo de Pirapora (Emutur). Morador de Pirapora, o
ambientalista Roberto MacDonald salienta que a redução da vazão ameaça a vida
no Velho Chico, diminuindo a quantidade de peixes. Ele frisa que as lagoas
marginais servem para a reprodução dos peixes da bacia. “Mas, neste ano, muitas
lagoas estão secando com os peixes dentro delas. Isso será uma catástrofe. Os
cardumes estão sendo dizimados de forma gradativa”, diz MacDonald. “A vazão do
São Francisco foi reduzida de tal forma que, nos lugares em que o rio tinha 700
metros de largura, hoje está com 200 ou 300 metros”, observa o ambientalista.
ABASTECIMENTO EM RISCO A situação também é muito preocupante no que diz respeito ao
abastecimento de água em Pirapora. O diretor do Serviço Autônomo de Água e
Esgoto (SAAE) do município, Esmeraldo Pereira Santos, disse que já estão sendo
enfrentadas dificuldades para captar a água do rio. Ele informou que, com a
redução da vazão do São Francisco, o SAAE teve que fazer alguns serviços
emergenciais, como a limpeza e desassoreamento do canal onde a água é
recolhida. “Estamos no nosso limite. A situação é gravíssima. Se não chover e o
volume liberado baixar para até 200 metros cúbicos por segundo, o abastecimento
de Pirapora será comprometido”, disse Esmeraldo. Ele lembra que cerca de 70% da
população da cidade (aproximadamente 40 mil pessoas) são abastecidos com água
retirada do Rio São Francisco.
Além de Pirapora, outros municípios do Norte de
Minas estão tendo dificuldades causadas pela determinação do ONS de diminuir a
vazão de Três Marias. Em praticamente toda a extensão do rio, o nível da água
baixou muito e em vários pontos surgiram ilhas e bancos de areia, deixando o
leito com poucos centímetros de água. Nos municípios de São Francisco e
Itacarambi, o baixo volume das águas dificulta a travessia de balsa. Os pontos
de travessia tiveram que ser mudados. Também já começam a aparecer obstáculos
para travessia de balsa entre Manga e Matias Cardoso. “Na verdade, o São
Francisco vem perdendo volume ano a ano, mas agora a situação está pior, totalmente
fora do normal”, lamenta o barranqueiro Francisco Guedes da Silva, de 55 anos,
o “Marujo”, que vive praticamente dentro do Velho Chico, em Januária, também no
Norte do estado. Ele ganhou o apelido porque é dono de um barco, que aluga para
pescadores ou pessoas que queiram passear no São Francisco.
Morador se esforça para liberar rodovia
A tempestade de quinta-feira também atingiu a
MG-020, uma das ligações entre BH e Santa Luzia. O temporal causou problemas em
pelo menos cinco pontos da rodovia, o que complicou a circulação dos veículos
ontem.. O maior problema foi um alagamento que interrompeu o trânsito nos dois
sentidos , além do o afundamento no asfalto que bloqueou uma das pistas. No Km
14, onde a água inundou todas as faixas em direção à capital, a atitude de um
morador do Bairro Monte Azul chamou a atenção dos vizinhos e de quem passava
pelo trecho. Sozinho, ele entrou na área alagada e conseguiu encontrar um
bueiro. Após tirar pedaços de plástico e até um vidro de automóvel, em poucos minutos
a água escoou e resolveu o problema.
“Já fiz isso outra vez, é muito lixo que as pessoas
jogam. Como ninguém apareceu para resolver a questão, achei melhor desentupir
de novo”, afirma Paulo da Silva Gomes, 48 anos. Ele conta que há cerca de 12
anos, quando uma grande obra ampliou a rodovia, os alagamentos se tornaram
frequentes. A parte antiga da pista virou marginal, que corta o Bairro Monte
Azul. “O problema é que como estava alagado, eles desviaram o trânsito para a
marginal, passando pelo bairro. Carretas e ônibus começaram a rodar em um lugar
muito perigoso, onde várias crianças brincam o tempo todo. A chance de alguém
ser atropelado é muito grande”, diz o pintor.
Uma curva muito perigosa esconde os veículos
pesados da vista dos transeuntes, o que realmente cria um risco para a
população local. Na quinta-feira, Paulinho conta que ficou no local até a
noite, como se fosse um guarda de trânsito. “Eu orientava os motoristas a
passar nos trechos mais rasos, onde a água não tinha subido muito. Fiquei até
tarde”, completa.
Depois que a água escoou muita lama restou no
local, assim como em outros três pontos entre os kms 11 e 14. No Km 12, a
estrada se transformou numa pista de terra, com desnível típico de rodovias
vicinais sem pavimento. No Km 11 o temporal causou o afundamento da pista da
direita. Cavaletes foram colocados para bloquear o trecho e evitar acidentes.
NOTA DO DRE Em nota, o
Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG) não explicou os
motivos de um morador ter resolvido o problema do alagamento antes que o órgão
tomasse uma providência. O DER/MG informou apenas que com a desobstrução do
bueiro o tráfego foi liberado. Sobre os problemas do Km 12, foi informado que
houve queda de barreira e que funcionários da autarquia já estavam
providenciando a limpeza. Quanto ao Km 11, onde há indícios de rompimento da
galeria pluvial, segundo as primeiras avaliações, o DER informou que “não há
prazo para a resolução total do problema. Provavelmente será demandado um
projeto e abertura de licitação para as obras”, diz o texto. (GP).
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