Poeta Décio Pignatari morre aos 85 em São Paulo
SÃO PAULO*
– O poeta, ensaísta e tradutor Décio
Pignatari morreu na manhã deste domingo (2/12), aos 85 anos, em São Paulo.
Internado no Hospital Universitário da USP desde a sexta (30), ele teve
insuficiência respiratória e pneumonia aspirativa (infecção pulmonar).
Pignatari
foi um dos principais nomes da poesia concreta, ao lado dos irmãos Haroldo
(1929-2003) e Augusto de Campos, 81 --com quem editou a revista
"Noigandres", no anos 1950. Também com os irmãos Campos publicou
"Teoria da Poesia Concreta", em 1965, "Mallarmagem", em
1971, e "Ezra Pound - Poesia", em 1983, entre outros.
Nascido em Jundiaí, em 1927, Pignatari
publicou seus primeiros poemas em 1949 na "Revista Brasileira de
Poesia". Em 1950, lança seu primeiro livro de poemas,
"Carrossel". Formou-se em direito pela USP, em 1953, e, três anos
depois, lançou o movimento da poesia concreta com o grupo Noigandres, a partir
da revista publicada em 1952. Em 1956, o grupo publica "Plano-Piloto para
a Poesia Concreta". Lançou "Poesia Pois É Poesia" em 1977. Foi
colunista da Folha entre 1983 e 1987.
Em 2004, lançou "Céu de Lona",
peça tetral sobre mudanças na vida e na obra de Machado de Assis --guiada pelo
casamento do escritor, mas exibindo a ruptura que transformou o romântico de
"Iaiá Garcia" no ácido romancista de "Memórias Póstumas de Brás
Cubas".
Em 2009, foi a vez de "Bili com
Limão Verde na Mão", descrito como um livro para todas as idades. Há cerca
de um ano, havia voltado a morar em São Paulo, após ter passado pouco mais de
dez anos em Curitiba (PR).
Também teórico da comunicação, Pignatari
ajudou a fundar a Associação Brasileira de Semiótica, nos anos 1970. Autor de
"Informação, Linguagem e Comunicação" (1968), traduziu obras de
Marshall McLuhan, como "Os Meios de Comunicação como Extensões do
Homem".
"A importância dele não pode ser
subestimada. Era uma das inteligências mais incisivas que este país já
teve", disse Frederico Barbosa, 51, poeta e diretor da Casa das Rosas.
De acordo com Barbosa, a família não vai
fazer velório e o enterro será nesta segunda (3), ao meio-dia, no cemitério do
Morumbi. Pignatari deixa três filhos e netos.
Em entrevista à Folha em 2007,
quando completou 80 anos, Pignatari sintetizou sua trajetória numa de suas caras
palavras-valise: "oitentação". Sobre o rompimento com o poeta
Ferreira Gullar, que encabeçou o movimento neoconcreto e rompeu com o
concretismo, disse que não guardava rancor pessoal. "Nós fomos inimigos
íntimos, o Gullar e eu. Mas eu não briguei com ele pessoalmente. Eu brigo e
depois dou risada, não quero saber de guardar rancor pessoal."
"Era uma pessoa muito talentosa e
inteligente e também atuava na área do design. Deu uma boa contribuição tanto
na poesia concreta, tanto no design", disse Gullar sobre Pignatari.
REPERCUSSÃO
Para o poeta Heitor Ferraz, Pignatari
"foi um dos marcos do concretismo brasileiro, que influenciou uma geração.
Foi revelador das possibilidades da poesia."
"Sempre achei que ele tinha as
poesias mais contundentes do concretismo. Ele já era um bom poeta antes mesmo
do concretismo. Da minha experiência mais pessoal, sempre foi muito
colaborativo, era piadista, agradável, contava histórias aos alunos",
declarou o crítico Alcir Pécora.
"Pignatari era, na composição da
tríade dos concretistas, o que tinha a verve mais pop, satírica. entre dois
cartesianos, ele era uma espécie de equilíbrio. talvez o mais humano deles, o
mais econômico, o menos ortodoxo", diz o escritor Joca Reiners Terron.
"Foi um artista admirável tanto pela
combatividade quanto por sua inventividade. Fará muita falta", diz o
artista plástico e poeta Nuno Ramos.
"Fala-se de tantos, quando somos tão
poucos. Com a morte de Décio, diminui o número da qualidade entre nós. Ocioso
lembrar seu livro de poemas 'Poesia Pois É Poesia', sua contribuição à teoria
da comunicação, 'Informação, Linguagem e Comunicação', ultimamente sua
participação no teatro, 'Céu de Lona'. Que esperar agora se não que o leitor
saiba continuar a apreciá-lo?", diz o professor e crítico de literatura
Luiz Costa Lima.
"Acabei de apresentar em Assis uma
conferência em grande parte ligada a um texto do Décio de 51 anos atrás, 'A
Situação Atual da Poesia Brasileira', em que eu destaquei sua importância na
reformulação da poesia brasileira. Apesar das discordâncias, que expressei
diretamente quando a ele quando estava vivo, eu gostava dele, ele era
espontâneo, briguento e 'italianamente' polêmico", afirmou o poeta Affonso
Romano de Sant'Anna.
"Tenho várias cartas dele, em uma
delas, ele analisa meu poema 'Outubro', que começava dizendo 'outubro ou nada'.
Infelizmente, as ilusões das gerações vanguardista e revolucionária da qual
fizemos parte deram em nada", conclui Sant'Anna.
ENTREVISTA
DE DÉCIO PIGNATARI À FOLHA
"No Brasil, foge-se como o diabo da cruz dos juízos de valor",
disse Pignatari
DE SÃO
PAULO
Em 2007,
quando fez 80 anos, o poeta Décio Pignatari falou à Folha sobre
concretismo, desentendimentos com Ferreira Gullar, sua temporada na Europa nos
anos 50, a experiência com o teatro e o estudo da literatura na academia.
"No
Brasil, você sempre caminha para uma coisa que é muito pobre. Faz-se literatura
comparada, mas se foge como o diabo da cruz dos juízos de valor. Aí, vem um
Harold Bloom [crítico literário norte-americano] e espanta todo mundo porque
ele fala mesmo "é bom" e "eu gosto". E é preciso, senão
como é que você vai orientar os mais novos?", questionou.
Leia a
entrevista abaixo.
Oitentação
Prestes a completar 80 anos, Décio
Pignatari não quer celebrar data nem cinqüentenário da poesia concreta; ele diz
que não guarda rancor do inimigo íntimo Ferreira Gullar, critica a arquitetura
e vê vanguardismo na moda
EDUARDO SIMÕES
NOEMI JAFFE
ENVIADOS ESPECIAIS A CURITIBA
No dia 20 deste mês, o poeta, dramaturgo,
crítico, tradutor e professor Décio Pignatari chega aos 80 anos, firme no
propósito de fugir de homenagens à efeméride pessoal. E também às
profissionais. Convidado para participar de uma exposição sobre os 50 anos da
poesia concreta, que será aberta dia 15, no Instituto Tomie Ohtake, Pignatari
já avisou que não vai. Mas está colaborando com o evento para o qual realizou
uma série de gravações de seus poemas.
O concretista pretendia passar o
aniversário na Cidade do México, ao lado do segundo neto, Rafael, que faz um
ano no dia 19. Como não conseguiu tirar o visto a tempo, ficará em Curitiba,
onde vive desde 1999. "Vou passar aqui tomando um champanhe português, na
tranqüila solidão, olhando o 'big brother' Niemeyer", diz, referindo-se ao
"olho" do Museu Oscar Niemeyer, próximo de onde mora.
No Paraná desde que se aposentou da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Pignatari dá aulas no mestrado em
Comunicação e Linguagem da Universidade Tuiuti.
Avesso a rememorações e entrevistas, o
poeta abriu uma generosa exceção e conversou por mais de três horas com a
Folha. Relembrou o rompimento político e estético com os neoconcretos,
movimento encabeçado pelo poeta Ferreia Gullar. Falou sobre a segunda parte de
sua trilogia feita para o teatro, iniciada com "Céu de Lona" (2004),
concluída há pouco mais de um mês na Itália. Explicou ainda como será o livro
que reunirá sua correspondência com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos
(1929-2003), com quem fundou a poesia concreta no Brasil.
E mais: o poeta dos textos verbais,
visuais e sonoros diz que, no Brasil, a única vanguarda que houve nos últimos
tempos foi a silente moda: "Ela me espantou. É realmente uma linguagem de
vanguarda". Por fim, Pignatari sintetizou seus 80 anos numa de suas caras
palavras-valise: "oitentação".
FOLHA - O senhor e os irmãos Augusto e
Haroldo de Campos serão homenageados a partir do dia 15 de agosto com uma
exposição no Instituto Tomie Ohtake sobre a poesia concreta. Pretende vir a São
Paulo?
DÉCIO PIGNATARI - Eu não vou. Já avisei ao [curador]
Walter Silveira. Eu não sou contra. Falo apenas: "Vocês usem o material,
façam, podem fotografar. Não gosto muito de homenagens e não participo.
Recentemente, por acaso, fizeram uma homenagem a mim da qual eu gostei, aqui na
Universidade Tuiuti do Paraná, onde eu estou já há oito anos. Eu revi toda a
minha gente, alunos ou colegas, de São Paulo e Rio. Fizeram uma homenagem
visual que me agradou. Primeiro, porque os dois [organizadores] tinham sido
alunos meus. Os melhores alunos que tive, não só aqui, mas em toda
pós-graduação nos últimos 30 e tantos anos. Mas não quero saber de comemoração.
A ideia de reconhecimento não interessa
ao senhor? Não se incomoda, por exemplo, com o fato de Ferreira Gullar, que
assinou em 1959 o "Manifesto Neoconcreto", ser mais aceito pela
academia e pela crítica geral como um grande poeta brasileiro, ao passo que a
poesia concreta não tem o mesmo espaço?
Não me incomodo. É algo natural. O signo
novo é sempre minoritário.
Mas até hoje?
Sim, porque ele [Gullar] fez de tudo, ele
ingressou no Partidão [comunista]. Inicialmente até chegamos a trabalhar
juntos. Mas, posteriormente, acho que o Gullar repensou: "Eu tenho
condições de ser o dom Pablito Neruda do Brasil". Então ele entrou para o
Partidão, porque, para você fazer carreira, o Partidão era ótimo, tinha meios
de promover. Falando aquela linguagem social e politicamente correta, você
tinha muito mais chance.
Décio Pignatari: Kierkegaard em Dogville
DE SÃO
PAULO
O poeta e
ensaísta Décio Pignatari escreveu sobre os dez anos do movimento
cinematográfico Dogma para o caderno "Mais", na Folha de 24 de
abril de 2005.
No texto,
trata da influência da teologia existencialista do filósofo dinamarquês Sören
Kierkegaard sobre o grupo --de onde emergiram nomes como Lars von Trier e
Thomas Vinterberg.
Kierkegaard em Dogville
DÉCIO PIGNATARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há um pequeno mistério ético-ideológico
envolvendo o grupo dinamarquês Dogma, especialmente o diretor Lars von Trier, e
mais particularmente o filme "Dogville", pois não é comum que
artistas talentosos de uma arte industrial voltada para o mercado sejam tão
claramente marcados por um vinco ético-filosófico.
A crítica de cinema, embora bem
informada, ainda não atinou com esse viés e toma um filme como
"Dogville" pelo seu valor de face, ideologicamente falando --ou seja,
como uma crítica social ao "império americano", inserindo-se, ao
mesmo tempo, ainda que indiretamente, no sistema europeu de resistência à
hegemonia cinematográfica ianque.
O Dogma dinamarquês, hoje em fase de
desfazimento consentido, entremostra vários pontos de contato com a
"nouvelle vague" francesa, tanto pela economia de meios, compensada
pela inventividade da signagem cinematográfica, como pela postura ideologizante
européia, traço que tenderia a acentuar-se em Godard, o que não parece e
aparece de modo claramente discernível na grande produção italiana das três
décadas que se seguiram ao pós-guerra.
Godard, Antonioni
Ambas as tendências parecem dizer-se
adeus, uma à outra e a si mesmas, tomando o amor como tema, texto e pretexto,
no início do novo século, com "Elogio ao Amor" (Godard) e "Além
das Nuvens" (Antonioni/Wenders) -o primeiro, já envelhecidamente, a
verbalizar o amor da película e a película do amor, com piadas curiosas sobre
os EUA, enquanto Antonioni, em belas imagens e elipses narrativas, monta uma
nostálgica metafísica erótica para a murmurante cerimônia de adeus dos corpos.
*Textos e Imagens da Folha de S. Paulo/adaptações FN Café NEWS
*Textos e Imagens da Folha de S. Paulo/adaptações FN Café NEWS
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sinta-se à vontade para postar seu comentário.
Espaço aberto à participação [opinião] e sujeito à moderação em eventuais comentários despretensiosos de um espírito de civilidade e de democracia.
Obrigado pela sua participação.
FN Café NEWS