Senador Pedro Simon diz que
Exército vetou autópsia em ex-presidente Goulart. Simon revela ainda que
ocorreram mortes estranhas em 1976, como a de JK e Jango
Uma declaração do senador Pedro Simon (PMDB-RS) ao
jornal argentino Página 12 põe sob suspeita a atuação do Exército diante
da morte do ex-presidente João Goulart, cujos restos mortais estão sendo
exumados para apurar se ele morreu envenenado. O senador revelou, após 37 anos,
que pediu ao então comandante do III Exército, general Fernando Belfort
Bethlem, que autorizasse a realização de uma autópsia no cadáver de Jango, em 6
de dezembro de 1976, dia em que o ex-presidente morreu na cidade argentina de
Mercedes.
“O general Bethlem recebeu meu pedido de autópsia e
o recusou sem me dar explicações. Hoje, depois de tantos anos, me causa uma
grande suspeita sobre como morreu Jango, se será verdade que o envenenaram”, declarou
o senador. Oficialmente, ele morreu em decorrência de um infarto.
Na época, Pedro Simon era deputado estadual e
presidente do MDB no Rio Grande do Sul, estado natal de Jango. Em entrevista ao
jornalista Darío Pignotti, Simon relata que a conversa com o general ocorreu no
QG do III Exército, em Porto Alegre. Segundo ele, o ex-presidente da Câmara
Ulysses Guimarães também ouviu a mesma recusa de outra autoridade do governo
Ernesto Geisel.
“A memória de Simon é um patrimônio inestimável
para remontar a amnésia brasileira, até hoje defendida por generais e
almirantes, amparados na lei de autoanistia, sancionada pelo ditador João
Baptista Figueiredo em 1979”, destaca o jornal de Buenos Aires.
Veja
a íntegra da reportagem da Página 12 (em espanhol)
O general Bethlem, que morreu aos 87 anos em 2001, foi um dos signatários do manifesto em 1977 em que defendia a “linha dura” do regime militar. O episódio resultou na queda do então ministro do Exército, Sílvio Frota, após embate com o presidente Geisel. Apesar de ter assinado o manifesto, Bethlem acabou assumindo a pasta no lugar de Frota. Foi ministro até o final do governo Geisel, em 1979. Segundo o jornal, a indicação para o cargo poderia ser um “prêmio” por seu desempenho, ao negar a autópsia.
Dois laboratórios estrangeiros, mantidos sob
sigilo, examinam os restos mortais do ex-presidente, deposto do cargo pelo
golpe militar de 1964. Há suspeita de que ele tenha sido envenenado, em um
plano articulado pela chamada Operação Condor, tocada em conjunto pelos
governos militares de Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Argentina e Chile.
Comoção popular
Na semana passada, Simon discursou em São Borja
(RS) no segundo enterro de Jango, repetindo o gesto que fizera em 1976, no
primeiro velório. O senador lembrou o clima de comoção de 37 anos atrás e como
a figura de João Goulart era repudiada pelos militares.
“Eles não queriam que voltasse nem morto. Jango era
querido pelo povo, uma multidão acompanhou seu caixão quando chegou a São
Borja. A multidão se amontoou, baixou o caixão do carro funerário e o levou
para a igreja, desafiando aos militares que queriam enterrá-lo logo em seguida.
O povo não parecia ter medo”, relatou o peemedebista.
Indícios de crime
O senador, porém, não se arrisca a dizer que João
Goulart foi assassinado. “Sinceramente, não tenho como justificar que o
envenenamento ocorreu. Isso só se saberá cientificamente. Mas muitas coisas
estranhas ocorreram em 1976. Coisas que, vistas agora, têm um sentido: como as
estranhas mortes de Jango e do presidente Juscelino Kubitschek”, declarou.
A reportagem diz que demonstrar cabalmente, em um
laboratório, que Jango foi assassinado é pouco provável, mas não impossível,
devido ao estado de degradação dos restos mortais. “Em compensação, as
declarações de Pedro Simon, apontando a responsabilidade do chefe do III
Exército, um dos principais da hierarquia militar, aportam elementos
importantes para reconstruir a cadeia de cumplicidades em torno dessa morte com
indícios de crime de Estado”, destaca o Página 12.
Há dois dias, a Comissão Municipal da Verdade, de
São Paulo, concluiu que JK foi assassinado, vítima de um atentado político,
também em 1976. As conclusões do colegiado presidido pelo vereador Gilberto
Natalini (PV) serão enviadas à Comissão Nacional da Verdade, que apura crimes
cometidos durante a ditadura militar.
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