Por Juca Kfouri*
O que é pior, o vira-latismo ou o puxa-saquismo?
Abertura da Copa do Mundo, na Arena do Itaquerão em São Paulo em 12 jun. 2014. Foto: Folha de S. Paulo. |
Se o primeiro se confundir com espírito
crítico certamente o segundo é pior, porque mera bajulação.
Comecemos pelo começo: a imagem do Brasil
depois da Copa é muito melhor do que, com carradas de motivos, se imaginava
antes dela.
Fez-se, em resumo, um bom anúncio do
país.
Porque houve a festa que se imaginava que
haveria nos estádios e não houve a tensão prevista fora dele.
Por incrível que possa parecer, Joseph
Blatter, o poderoso chefão da Fifa, tinha razão: a sedução do futebol falou
mais alto, ainda mais porque, paradoxalmente, se a Copa não apresentou nenhuma
seleção inesquecível, mostrou jogos formidáveis, como uma homenagem ao país que
já foi o do jogo bonito.
Repita-se para suavizar o que virá a
seguir: o Brasil ganhou a 20a. Copa do Mundo da Fifa e ainda por cima prendeu
gente dela que há décadas atenta contra a economia popular, um legado
inestimável, exemplar, digno de ser aplaudido de pé assim como a hospitalidade
nacional.
Tamanhas vitórias não escondem as derrotas
e aqui não se fará nenhuma menção, além desta, à goleada alemã.
Por falar nisso, em alemães, nossa Copa
foi muito melhor que a da África do Sul, mas não foi, como organização, melhor
que a de 2006.
Claro, da Alemanha se espera perfeição e
a Alemanha esteve perto disso. Do Brasil esperava-se uma catástrofe e o Brasil
ficou longe disso.
Contudo, na Alemanha não foram
construídos elefantes brancos como os de Manaus, Cuiabá, Natal e Brasília,
cujas contas jamais serão pagas a não ser que ocorra mais um milagre
brasileiro.
Lá não morreram tantos trabalhadores, nem
caiu viaduto com duas mortes, nem se desalojou tantas famílias, nem nada custou
tanto a ponto de a nossa Copa ter superado o custo dos três últimos torneios e
nenhum estádio foi invadido por torcedores como o Maracanã pelos chilenos.
Tampouco faltou luz no jogo de abertura.
Esquecer tais fatos em nome da imagem
externa é que é o verdadeiro vira-latismo, como se a aprovação estrangeira nos
bastasse.
É verdade sim que o governo federal, um
mês antes de a Copa começar, partiu em busca de empatar um jogo que perdia por
4 a 0 e que conseguiu vencer, digamos,por 6 a 5 — o que exige elogios ao ataque
assim como críticas à defesa.
Ocorre que há quem queira fazer apenas
elogios e outros que só desejam criticar, todos movidos ou por cegueira
partidária ou por outros interesses.
Não se trata de negar o sucesso da Copa,
mas de dizer que poderia ser melhor.Tudo, aliás, sempre pode ser melhor, por
melhor que tenha sido.
Trata-se de não esquecer o quanto custou
em vidas e dinheiro, em desalojamentos e atrasos, em remendos de última hora,
uma porção de coisas para as quais os estrangeiros não estão nem aí, mas que
devem preocupar os que estão aqui e que, enfim, pagarão a conta.
Porque outro legado da Copa é a consciência
de que megaeventos são muito bons para quem os promove e para as celebridades
que gravitam em torno,mas não são necessariamente bons para quem os recebe,
razão pela qual será excelente se os próximos forem submetidos à consulta
popular.
O turista que veio não se hospedou nos
melhores hotéis nem comeu nos melhores restaurantes, preferiu albergues ou
sambódromos, lanchonetes ou churrasquinhos de gato.
Até mesmo os aeroportos inconclusos (o de
Brasília é simplesmente espetacular, registre-se) suportaram bem a carga,entre
outras razões porque o movimento foi menor que o normal neste período.
Em resumo: o Brasil ganhou a Copa de
virada e o resultado pode ser considerado excepcional, digno de comemoração
para irritação dos vira-latistas.
Mas não foi de goleada como bimbalham os
puxa-sacos.
Além do mais, se o jogo acabou para o
mundo, segue correndo no nosso campo.
A um custo que ainda será mais bem
apurado.
*Jornalista, colunista, apresentador de TV e editor do blog do Juca Kfouri. No UOL desde
2005, Juca Kfouri faz em seu blog uma análise dos principais eventos do futebol
nacional e internacional.
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