Belchior foi “embora sorrindo, sem ligar para nada”
O mais literário dos compositores
brasileiros, o trovador do Ceará sabia tudo a respeito das nossas dores e
inquietações
Por XICO SÁ*/ 30 ABR 2017 - 23:02 BRT/Jornal El País
Belchior durante entrevista em São Paulo, em 1986, ao Jornal Estado de S. Paulo . Foto: Antonio Lúcio/Estadão. |
O primeiro grande porre,
no balneário do Caldas, em Barbalha (CE), foi sob efeito do disco “Alucinação”
(1976). O vômito inaugural tinha um motivo, além da garrafa de aguardente Kariri
com K: a estranheza diante da primeira dor de amor. Muitos amores depois, na conquista
ou na perdição, lá estava o bigode também na vitrola. Belchior foi o cara que
sempre cantou os fracassos e os triunfos desses rapazes latino-americanos sem
dinheiro no bolso e vindos do interior.
Belchior canta “Apenas um
Rapaz Latino-Americano”. Foto: Fabio Dutra. |
O trovador do Ceará também
embalou os roqueiros da metrópole e os corações selvagens dos subúrbios. Não
por acaso, o comentarista Walter Casagrande (TV Globo), em plena decisão do campeonato paulista,
deixou Ponte Preta x Corinthians de lado para dizer o quanto Belchior foi
importante para traduzir as inquietações iniciais da sua geração a partir dos
anos 1970.
Em diálogo com Beatles,
Cego Aderaldo, Godard, Baudelaire, Dante, os Dylan (Bob e Thomas), Torquato
Neto, Mário Faustino, Jorge de Lima, Albert Camus, Drummond, Roberto Carlos,
Luiz Gonzaga e com o avesso de Caetano Veloso –“nada é divino, nada é
maravilhoso!”-, o cearense soube cantar as nossas dores naqueles momentos em
que não sabemos direito diagnosticá-las. Só sabemos que deveras sentimos. Saca
aquela melancolia do domingo à tarde?