“Hoje, Glenn, amanhã, você: em um Estado autoritário, ninguém
está a salvo...”
Por Leonardo Sakamoto*
Em tempo: O clima de ódio político é apenas o capítulo
recente de um país cuja fundação foi feita em cima do sangue de negros,
indígenas e pobres. Estes são sistematicamente acusados injustamente,
simplesmente por serem negros, indígenas e pobres.
CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Brasília, 5 de outubro de 1988: "Art. 220. A
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII
e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística. (...) É livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença [Art.
5º, Inciso IX]".
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O jornalista norte-americano, Glenn Edward Greenwald, radicado no Rio de
Janeiro desde 2005. Greenwald é editor e fundador do The Intercept, jornal
on-line que foi lançado em fevereiro 2014. Foto: Folha de S. Paulo. |
Você não precisa gostar do jornalista Glenn
Greenwald ou de seu trabalho à frente do site The Intercept Brasil, responsável
por revelar mensagens entre o então juiz federal Sergio
Moro e procuradores da força-tarefa
da Lava Jato.
Mas se tem algum apreço pela democracia deve
repudiar a denúncia contra ele pelo procurador da República Wellington Divino
Marques de Oliveira.
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Charge Henfil. Reprodução FN Café NEWS 2020. |
Glenn foi acusado, nesta terça (22), de auxiliar,
incentivar e orientar a invasão de smartphones de autoridades. No curso da
investigação, a própria Polícia Federal não viu crime, mas jornalismo em suas
conversas com hackers que foram sua fonte de informação. A investigação apontou
que as mensagens de Telegram divulgadas por ele não foram uma encomenda. Mesmo
assim, foi denunciado.
Vivemos um contexto de ultrapolarização política.
Nele, desumaniza-se quem defende
posicionamentos diferentes dos nossos, não reconhecendo que essas pessoas
tenham os mesmos direitos constitucionais. Pelo contrário, defende-se
que sejam caladas e punidas por pensarem
diferente. À força, se necessário. Passando por cima das leis, se preciso.
Após a execução da vereadora Marielle Franco,
muitos foram os idiotas que celebraram ou minimizaram o horror de sua morte. O
ataque a tiros aos ônibus da caravana que o ex-presidente Lula realizou na
região Sul seria rechaçado por todos em qualquer democracia decente - o que não
foi o caso por aqui, dada a quantidade de comemorações. A abominável facada
sofrida por Bolsonaro foi lamentada por pessoas estúpidas que queriam que
Adélio Bispo tivesse terminado o serviço. O músico Moa do Catendê, eleitor de
Fernando Haddad, foi morto a faca por um eleitor de Bolsonaro, em Salvador,
para júbilo de mentecaptos. Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República,
diz que foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar
Mendes e ignorantes o chamaram de herói. É nesse caldo que Glenn Greenwald foi denunciado
criminalmente por fazer jornalismo e matilhas ensandecidas pediram sua prisão.
Da mesma forma que parte das redes sociais já
condenou Glenn Greenwald, munida por uma denúncia tão frágil que não resiste a
uma lufada de Constituição do Supremo Tribunal Federal, ela diariamente acusa
jornalistas com base no ódio. Tanto o provocado por seus líderes, quanto
aqueles que surgem da percepção de que tudo aquilo fora da câmara de eco
precisa ser eliminada.
Como já disse aqui quando hordas se reuniram para
pedir, no Twitter, a deportação de Glenn Greenwald frente às primeiras matérias
do Intercept, uma parcela da sociedade não entende ataques a jornalistas como
uma porrada na liberdade de expressão, um pilar da democracia. Vê isso como uma
manifestação banal do descontentamento. Cede aos discursos fáceis e toscos de
analistas, apaixona-se pela violência de seus líderes.