domingo, 29 de dezembro de 2024

'TRABALHO ESCRAVO': o "Socialismo do Século XXI"?

 Trabalho escravo chinês na Bahia. Isso é socialismo?

Foto: Alojamento em que foram resgatados trabalhadores chineses da obra da BYD na Bahia. Crédito: Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).

Por Luis Felipe Miguel*

O Ministério Público do Trabalho resgatou 163 trabalhadores em condições análogas à escravidão, na obra de construção da fábrica da BYD em Camaçari, na Bahia.

A BYD é chinesa. A empreiteira, Jinjiang, é chinesa. Os trabalhadores submetidos às condições de escravidão também são chineses.

Nota do Ministério Público do Trabalho, sobre a obra da BYD em Camaçari: “As condições encontradas nos alojamentos revelaram um quadro alarmante de precariedade e degradância. No primeiro alojamento da Rua Colorado, os trabalhadores dormiam em camas sem colchões, não possuíam armários para seus pertences pessoais, que ficavam misturados com materiais de alimentação. A situação sanitária era especialmente crítica, com apenas um banheiro para cada 31 trabalhadores, forçando-os a acordar às 4h para formar fila e conseguir se preparar para sair ao trabalho às 5h30”.

Os operários eram descritos como “consultores”, uma vez que dificilmente o Brasil concede vistos para trabalhadores não especializados.

Fico pensando qual a taxa de exploração a que eles estavam sendo submetidos, para que, para as empresas, valesse a pena importar tantos trabalhadores da China.

Segundos todas as informações disponíveis (de relatos jornalísticos a pesquisas de sociólogos e economistas), as condições de trabalho na China são espantosas.

Direitos que por aqui são assegurados há décadas, como descanso remunerado, ainda não vigoram. Trabalhadores “ilegais” - devidos às regras de migração interna - são submetidos a condições ainda piores.

São conhecidos os relatos de operários de grandes marcas ocidentais, como a Apple, se suicidando por exaustão e desespero.

A feroz repressão contra qualquer movimento contestatório dificulta a mobilização por direitos.

Mas, na esquerda brasileira, não falta quem louve a China como “o socialismo do século XXI”.
Sim, o crescimento econômico é espantoso.

Mas feito às custas de superexploração do trabalho e devastação ambiental. Levando a uma sociedade centrada na competição permanente de todos contra todos e voltada para o consumismo.

É isso o “socialismo”? A diferença do “socialismo”, então, é a gestão abertamente autoritária da vida política, por Xi Jinping e seus homens?

Sim, seus homens. Não existe nenhuma mulher na cúpula do PC e do Estado chineses. Igualdade de gênero? Certamente um desvio pequeno-burguês.

Alguém vai vir aqui e falar das condições horripilantes de trabalho no mundo capitalista: no Brasil, no Paraguai, na Índia, nos Estados Unidos.

É verdade. Mesmo na civilizada Europa. Sabe a garrafa de champagne francesa, que você economizou o ano todo para poder brindar no Ano Novo? Foi produzida de maneira similar aos espumantes da serra gaúcha: com trabalhadores em condições indignas.

Mas em que isso livra a cara da China?

Se o socialismo é para ser igual ao capitalismo, para que socialismo?

*Luis Felipe Miguel é cientista político e professor da UnB, coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades. Artigo, publicado no perfil Facebook do autor em 28 de dez. de 2024.

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