Morto, Eduardo Campos deu vida à terceira via
Ex-senadora Marina Silva ao lado dos filhos e esposa de Eduardo Campos, que foi velado seu corpo neste domingo (17/8) no Palácio do Governo de Pernambuco, em Recife. Foto: Beto Marcário/Uol.
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Por Josias de Souza
Os restos mortais de Eduardo Campos
chegaram à base área de Recife na noite passada, às 23h05. Marina Silva e a
viúva Renata foram receber o esquife. Lá estavam também, entre outros, os cinco
filhos do morto. Excetuando-se o caçula Miguel, de sete meses, os demais
apareceram, por assim dizer, uniformizados. Vestiam camisetas amarelas. Na
altura do peito, uma inscrição: “Não vamos desistir do Brasil”.
A frase fora pronunciada por Eduardo
Campos no encerramento da entrevista que ele concedera ao Jornal Nacional, na noite da
última terça-feira, horas antes de embarcar, na manhã do dia seguinte, no
jatinho que o transportaria para a morte. Seguiram-se ao acontecimento funesto
as indagações que costumam perseguir os mortos moços, sobretudo os que nascem
condenados a um futuro promissor.
Mas já? E por que ele, no frescor dos
seus 49 anos? Por que assim, despedaçado num mergulho fatal do avião no solo?
Por que agora, a menos de dois meses da sucessão presidencial? As interrogações
e as circunstâncias da tragédia fizeram de Eduardo Campos um cadáver paradoxal
—cheio de vida.
A inscrição na camiseta dos filhos,
ecoada numa faixa fixada na lateral do caminhão de bombeiros que desfilou o
impensável pelas ruas da capital pernambucana, potencializa no imaginário
coletivo a sensação de que a morte, às vezes, não mata. O corpo de Eduardo
Campos —ou o que restou dele— será enterrado neste domingo como um homem
realizado. Ele sobrevive na disputa presidencial com chances de obter o que não
conseguira produzir na fase em que ainda respirava: a abertura de uma terceira
via.
Vice de Eduardo Campos, Marina Silva vai
à cabeça da chapa na próxima quarta-feira. Com um potencial de votos duas ou
três vezes maior do que a do titular, a ex-coadjuvante reassume o papel de protagonista
como um estorvo para Dilma Rousseff. Prevalecendo a lógica, a esperança da
candidata do PT de reeleger-se no primeiro turno está na bica de ser enviada
para o beleléu.
Convertida numa espécie de viúva-política
de Eduardo Campos, Marina pode tornar-se uma ameaça também para Aécio Neves.
Beneficiária da atmosfera de comoção, ela entra na briga com chances de
ultrapassar o candidato tucano. Se tiver competência para combinar a utopia da
“nova política” com uma dose do pragmatismo do companheiro morto, Marina
flertará com o segundo turno.
Antes da tragédia, o eleitorado parecia
fadado a lidar com uma pergunta que, pela sexta vez em duas décadas, marca a
sucessão no Brasil: PT ou PSDB? Numa entrevista que
concedera em maio de 2013 à revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo,
o presidente do PT federal, Rui Falcão, minimizara as chances de Eduardo Campos
tornar-se um ator relevante na disputa de 2014.
“Não acredito que haja espaço para uma
terceira via. Há o governo e a oposição”, dissera Falcão. Ele previa que
faltaria nexo a Campos quando ele tivesse de injetar ideias em seu discurso: “É
possível que haja mais de uma candidatura de oposição, mas não há candidatura
do mesmo campo da presidenta Dilma.” Para Falcão, haveria um replay do Fla-Flu que faz de
todas as sucessões presidenciais meras gincanas do PSDB contra o PT.
“Esses são os dois projetos que têm
concepções diferentes sobre o Brasil. Um, a concepção liberal privatista; e
nós, uma concepção de desenvolvimento sustentável, de projeto social e de um
Brasil em outro patamar, diferente do que tivemos como legado”, afirmara
Falcão.
Nessa época, Marina Silva ainda recolhia
assinaturas de apoiadores para fundar a sua Rede Sustentabilidade. Mas Falcão
desdenhava da ex-petista: “Não tem partido, nega partido, mas está tentando
construir um. Ainda é um projeto de candidatura. Se vier, será com o discurso
da eleição passada, com alguns ajustes, mas já foi testado e aparecerá como
oposição.”
Decorridos cinco meses dessa entrevista,
a Rede teve o registro negado pelo TSE. E Marina abrigou-se no PSB de Campos.
Para surpresa geral, aceitou a condição de segunda da chapa. Fez isso numa fase
em que sete legendas lhe ofereciam a vaga de presidenciável. Entre elas o PPS
de Roberto Freire.
Imaginou-se que Marina proporcionaria a
Campos uma transfusão de parte dos 20 milhões de votos que obtivera em 2010.
Porém, transcorridos dez meses de campanha, o candidato do PSB não conseguiu
firmar-se como meio-termo viável entre Dilma e Aécio. Parecia que lhe faltavam
firmeza e credenciais para sintetizar o sentimento de mudança escancarado nas
pesquisas.
Eduardo Campos mordia Dilma. Mas soprava
Lula. Ele enxergava méritos na era FHC. Mas ficava tiririca quando Aécio dizia
que estariam juntos no futuro. A ‘nova política’ de que tanto falava o parceiro
de Marina era um conceito vago, condicionado à geografia. Em Brasília, a “nova
política'' serviria para “mandar Sarney à oposição”. Em Pernambuco, era uma
coligação de 21 partidos.
Eduardo Campos dizia que Dilma entregaria
um país pior do que recebeu. E Lula retrucava: “Creio que o Eduardo não pode
exagerar nas críticas porque ele sabe que é o mesmo projeto, o projeto do qual
ele participou e que tantos avanços trouxe para Pernambuco e o Brasil.”
Para complicar, PSB e Rede têm
dificuldades para chegar a um consenso sobre o mundo, antes de reformá-lo.
Vivem um drama descrito na piada de Millôr Fernandes sobre a tecnologia da
engenharia chinesa: de um lado da montanha, colocam 10 mil chineses para cavar.
Do outro lado, mais 10 mil. Se os dois grupos se encontram no meio da montanha,
inaugura-se um túnel. Se não se encontram, inauguram-se dois túneis.
Ao continuar cheio de vida depois da
morte, Eduardo Campos oferece aos sobreviventes a oportunidade de cavar um
único túnel. As altas taxas de eleitores sem candidato indicam que a
polarização da política brasileira entre PT e PSDB já torrou a paciência de
muita gente. As duas legendas são identificadas como responsáveis pelo
fisiologismo e pelos atentados ao erário praticados em nome da governabilidade.
Para enfrentar o PT, o tucano Fernando
Henrique uniu-se ao rebotalho da política nacional. Para prevalecer sobre o
PSDB, Lula levou a parceria com o arcaico às fronteiras do paroxismo. Num
cenário assim, a morte prematura de personagens como Eduardo Campos, a despeito
de todas as suas contradições, leva as pessoas a refletirem sobre as mortes
procrastinadas.
Na política brasileira, há tantos
vivaldinos que as pessoas ficam tentadas a enviar-lhes coroas de flores ou a
atirar-lhes na cara a última pá de cal. Vem daí a atmosfera de comoção que
permite a Eduardo Campos respirar nos dizeres da camiseta dos filhos: “Não vamos
desistir do Brasil”.
Em momentos como o atual, a história parece se mover. Resta saber como Marina Silva irá percorrer a terceira que, morto, Eduardo Campos ressuscitou. Em 2010, Marina costumava dizer que um governo ideal reuniria os melhores quadros do PT e do PSDB. Eleita, cuidaria de unir as duas forças. Terminou virando a escada que o tucano José Serra subiu para chegar ao segundo turno na condição de candidato favorito a ser derrotado por Dilma. A diferença é que não havia nessa época o voto-comoção.
Em momentos como o atual, a história parece se mover. Resta saber como Marina Silva irá percorrer a terceira que, morto, Eduardo Campos ressuscitou. Em 2010, Marina costumava dizer que um governo ideal reuniria os melhores quadros do PT e do PSDB. Eleita, cuidaria de unir as duas forças. Terminou virando a escada que o tucano José Serra subiu para chegar ao segundo turno na condição de candidato favorito a ser derrotado por Dilma. A diferença é que não havia nessa época o voto-comoção.
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