OMS enfrenta dilema ético sobre quem vai receber novo tratamento para ebola
A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) considera o Ebola uma emergência internacional de saúde pública. Foto: MSF. |
Com BBC Brasil
GENEBRA – Após o aparente sucesso de um
tratamento de ebola feito em médicos americanos, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) reúne especialistas em ética nesta segunda-feira (11/8), em Genebra, para
discutir se é certo usar remédios que nunca foram testados em humanos -e, neste
caso, quem deve receber o medicamento, já que a oferta é limitada.
A decisão da OMS é complexa. Se a
organização não aprovar o uso do medicamento por ele ainda ser experimental,
pode enfrentar acusações de ter restringido o uso de droga com potencial de
salvar vidas a trabalhadores de saúde de países ricos.
Por outro lado, liberar o uso da droga
pode trazer acusações de que a maior organização de saúde do mundo autorizou
experimentos com medicamentos potencialmente prejudiciais em parte da população
mais pobre do mundo.
Dois profissionais de saúde americanos
infectados pelos vírus aparentemente melhoraram após receber doses deste
medicamento. A melhora nos seus quadros, porém, também pode estar ligada às
condições de tratamento nos EUA, para onde foram levados.
No domingo, autoridades espanholas
autorizaram o uso da mesma droga para um sacerdote espanhol infectado pelo
vírus na Libéria, que foi levado para Madri.
Não há nenhum tratamento ou vacina
conhecidos para o ebola.
Na discussão na OMS, será preciso
antecipar o que poderá acontecer se o medicamento for adotado mas se provar
ineficaz ou até mesmo prejudicial, de acordo com o especialista em ética médica
Daniel Sokol, do 12 King's Bench Walk Chambers, de Londres.
"É preciso discutir como a mídia e a
comunidade local irão reagir e as consequências dessa reação para as vítimas,
profissionais de saúde e outros, e como deve ser o processo de seleção de
candidatos ao tratamento", disse.
A preocupação com os danos que um
tratamento mal-sucedido podem causar se explica porque já existe uma
desconfiança em relação a profissionais de saúde, o que prejudica a contenção
da epidemia.
No passado, muitos profissionais de saúde
foram contaminados, e os hospitais, sem condições adequadas de infraestrutura,
ajudaram a propagar a doença.
De acordo com Sokol, na epidemia de 1995
em Kikwit, na República Democrática do Congo, a relação entre o hospital e
mortes de ebola era tão clara que gerou um boato de que os médicos estavam
assassinando os pacientes que haviam roubado diamantes de minas locais.
Já na epidemia de Uganda, moradores
acreditam que pessoas brancas roubavam parte do corpo das vítimas para lucrar.
Médicos ocidentais eram vistos como suspeitos e acreditava-se que estavam
trazendo a doença.
Em janeiro de 2002, um grupo de
especialistas teve que fugir da vila de Mekambo, no Gabão, ao ser ameaçado por
moradores.
Estigma
A desconfiança em relação aos
profissionais estrangeiros vem desde o início do século XX, quando os
colonizadores desprezavam os costumes locais. Quando houve uma epidemia de
doença do sono no então Congo Belga, os moradores, obrigados a tomar remédios
de cuja eficácia duvidavam, se revoltaram.
Além da desconfiança em relação a profissionais
de saúde, há ainda a questão do estigma que aqueles que se curam do ebola
carregam. Apesar de não existir um remédio em uso para a doença, o corpo dos
pacientes pode reagir sozinho e combater o vírus.
Em epidemias anteriores, afirma Sokol,
alguns sobreviventes não foram aceitos de volta em sua comunidades. Outros não
conseguiram mais encontrar trabalho ou foram abandonados por seus parceiros.
Após a epidemia de 2000/2001 em Uganda, as casas de alguns sobreviventes foram
queimadas.
"É contra esse passado complexo
historicamente, culturalmente e socialmente que os especialistas em ética terão
que tomar uma decisão. As normas de ética médica, como a permissão para
tratamento, também podem ser diferentes lá, e existe o perigo de transpor
normas ocidentais para culturas diferentes", afirma.
Ebola
Se
contraído, o Ebola é uma das doenças mais mortais que existem. É um vírus
altamente infeccioso que pode matar mais de 90% das pessoas que o contraem,
causando pânico nas populações infectadas.
A
organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) tratou
centenas de pessoas com a doença e ajudou a conter inúmeras epidemias
ameaçadoras.
“Eu
estava coletando amostras de sangue de pacientes. Nós não tínhamos equipamentos
de proteção suficientes e eu desenvolvi os mesmo sintomas”, diz Kiiza Isaac, um
enfermeiro ugandense. “No dia 19 de novembro de 2007, recebi a confirmação do
laboratório. Eu havia contraído Ebola”.
Fatos
A
primeira vez que o vírus Ebola surgiu foi em 1976, em surtos simultâneos em
Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, em uma região
situada próximo do Rio Ebola, que dá nome à doença.
Morcegos
frutívoros são considerados os hospedeiros naturais do vírus Ebola. A taxa de
fatalidade do vírus varia entre 25 e 90%, dependendo da cepa.
“MSF foi
para Bundibugyo e administrou um centro de tratamento. Muitos pacientes
receberam cuidados. Graças a Deus, eu sobrevivi. Depois da minha recuperação,
me juntei a MSF”, conta Kiiza.
Estima-se
que, até janeiro de 2013, mais de 1.800 casos de Ebola tenham sido
diagnosticados e quase 1.300 mortes registradas.
Primeiramente,
o vírus Ebola foi associado a um surto de 318 casos de uma doença hemorrágica
no Zaire (hoje República Democrática do Congo), em 1976. Dos 318 casos, 280
pessoas morreram rapidamente. No mesmo ano, 284 pessoas no Sudão também foram
infectadas com o vírus e 156 morreram.
Há cinco
espécies do vírus Ebola: Bundibugyo, Costa do Marfim, Reston, Sudão e Zaire,
nomes dados a partir dos locais de seus locais de origem. Quatro dessas cinco
cepas causaram a doença em humanos. Mesmo que o vírus Reston possa infectar
humanos, nenhuma enfermidade ou morte foi relatada.
MSF
tratou centenas de pessoas afetadas pelo Ebola em Uganda, no Congo, na
República Democrática do Congo, no Sudão, no Gabão e na Guiné. Em 2007, MSF
conteve completamente uma epidemia de Ebola em Uganda.
O que
causa o Ebola?
O Ebola
pode ser contraído tanto de humanos como de animais. O vírus é transmitido por
meio do contato com sangue, secreções ou outros fluídos corporais.
Agentes
de saúde frequentemente são infectados enquanto tratam pacientes com Ebola.
Isso pode ocorrer devido ao contato sem o uso de luvas, máscaras ou óculos de
proteção apropriados.
Em
algumas áreas da África, a infecção foi documentada por meio do contato com
chimpanzés, gorilas, morcegos frutívoros, macacos, antílopes selvagens e
porcos-espinhos contaminados encontrados mortos ou doentes na floresta
tropical.
Enterros
onde as pessoas têm contato direto com o falecido também podem transmitir o
vírus, enquanto a transmissão por meio de sêmen infectado pode ocorrer até sete
semanas após a recuperação clínica.
Ainda não
há tratamento ou vacina para o Ebola.
Sintomas
No
início, os sintomas não são específicos, o que dificulta o diagnóstico.
A doença
é frequentemente caracterizada pelo início repentino de febre, fraqueza, dor
muscular, dores de cabeça e inflamação na garganta. Isso é seguido por vômitos,
diarreia, coceiras, deficiência nas funções hepáticas e renais e, em alguns
casos, sangramento interno e externo.
Os
sintomas podem aparecer de dois a 21 dias após a exposição ao vírus. Alguns
pacientes podem ainda apresentar erupções cutâneas, olhos avermelhados,
soluços, dores no peito e dificuldade para respirar e engolir.
Diagnóstico
Diagnosticar
o Ebola é difícil porque os primeiros sintomas, como olhos avermelhados e
erupções cutâneas, são comuns.
Infecções
por Ebola só podem ser diagnosticadas definitivamente em laboratório, após a
realização de cinco diferentes testes.
Esses
testes são de grande risco biológico e devem ser conduzidos sob condições de
máxima contenção. O número de transmissões de humano para humano ocorreu devido
à falta de vestimentas de proteção.
“Agentes
de saúde estão, particularmente, suscetíveis a contraírem o vírus, então,
durante o tratamento dos pacientes, uma das nossas principais prioridades é
treinar a equipe de saúde para reduzir o risco de contaminação pela doença
enquanto estão cuidando de pessoas infectadas”, afirma Henry Gray, coordenador
de emergência de MSF durante um surto de Ebola em Uganda em 2012.
“Nós
temos que adotar procedimentos de segurança extremamente rigorosos para
garantir que nenhum agente de saúde seja exposto ao vírus, seja por meio de
material contaminado por pacientes ou lixo médico infectado com Ebola”.
Tratamento
Ainda não
há tratamento ou vacina específicos para o Ebola.
O
tratamento padrão para a doença limita-se à terapia de apoio, que consiste em
hidratar o paciente, manter seus níveis de oxigênio e pressão sanguínea e
tratar quaisquer infecções. Apesar das dificuldades para diagnosticar o Ebola
nos estágios iniciais da doença, aqueles que apresentam os sintomas devem ser
isolados e os profissionais de saúde pública notificados. A terapia de apoio
pode continuar, desde que sejam utilizadas as vestimentas de proteção
apropriadas até que amostras do paciente sejam testadas para confirmar a
infecção.
MSF
conteve um surto de Ebola em Uganda em 2012, instalando uma área de controle
entorno do centro de tratamento.
Fonte: Médicos Sem Fronteiras (MSF)
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