“Os juízes podem muito, mas não podem tudo”
Para juiz
federal, a corrupção está enraizada na vida do brasileiro
Juiz federal, Ali Mazloum, acredita que Lei Anticorrupção pouco muda os crimes contra o dinheiro público. Foto: AE. |
por
Mateus Coutinho e Fausto Macedo/AE
A nova
Lei Anticorrupção, em vigor desde janeiro, não vai acabar com a cultura dos
desmandos com dinheiro público no País. A avaliação é do juiz federal Ali
Mazloum.
Para ele,
a Lei 12.846/2013, que prevê punição para as empresas, tem o objetivo de
intimidar corruptos e corruptores. Mas destaca que a maior parte dos processos
de corrupção em curso na Justiça não mira as empresas, apenas as relações
pessoais entre corruptor e funcionário público corrompido.
“A
corrupção faz parte de usos e costumes e não se acaba com ela por meio de leis,
por mais rigorosas que sejam”, afirma.
Juiz
federal em São Paulo desde 1992, professor de Direito Constitucional, Direito
Penal e Direito Processual Penal, Mazloum é autor de “Crimes do colarinho
branco” e “Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional”, entre outros livros.
Um dos
idealizadores da criação das Varas Especializadas em crimes financeiros e de
lavagem de capitais, ao lado do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ele implantou na 7.ª Vara Criminal Federal o ‘processo-cidadão’,
pelo qual a ação criminal tem duração máxima de 10 meses.
ENTREVISTA
ESTADO: O
QUE MUDA, DE FATO, COM A NOVA LEI ANTICORRUPÇÃO?
JUIZ
FEDERAL ALI MAZLOUM: Acredito
que haverá mudanças com a nova lei anticorrupção, em face da inovadora
responsabilização nos planos civil e administrativo da pessoa jurídica
envolvida com atos de corrupção contra a administração pública. O empresário
que costuma se valer de suborno para obter vantagens em seus negócios pode se
dar muito mal. A responsabilidade, que é objetiva, independe de prova de culpa,
pode levar a empresa a uma condenação de até 20% de seu faturamento bruto, além
da obrigação de reparar o dano causado, com perdimento de bens e valores iguais
ao montante da vantagem auferida, chegando a possível suspensão ou interdição
das atividades, e até mesmo dissolução compulsória da empresa. Ademais, a
empresa ficará sujeita a proibição de receber incentivos ou subsídios de órgãos
públicos. As penas são graves e devem pesar no processo de tomada de decisão do
empresariado, pois as consequências são drásticas.
ESTADO:
VAI INTIMIDAR OS CORRUPTOS?
ALI
MAZLOUM: A Lei
12.846/2013 tem o propósito de intimidar corruptos e corruptores. Entretanto, é
bom salientar que a maior parte dos processos de corrupção que hoje tramitam na
Justiça não tem como pano de fundo a figura da empresa, comercial, industrial e
de serviços. Referem-se a relações de natureza pessoal entre corruptor e
funcionário corrompido, como é o caso do agente que oferece vantagem ao
funcionário para a obtenção de um alvará, ou para livrar-se de multa. Portanto,
a lei por si só não vai acabar com a cultura da corrupção que vigora em nosso
País. A lei não muda comportamentos. É como esperar que a construção de mais
presídios, sem investimento nas pessoas, pudesse reduzir a violência. Deve-se,
antes de tudo, investir no ser humano.
ESTADO:
POR QUE A CORRUPÇÃO É ENDÊMICA NO BRASIL?
ALI
MAZLOUM: A
corrupção está enraizada na vida do brasileiro. Faz parte de usos e costumes e
não se acaba com ela com leis, por mais rigorosas que sejam. Deve-se mudar toda
uma cultura que se formou ao longo de séculos, quando os primeiros imigrantes
vinham ao Brasil para explorar riquezas, leva-las aos seus países de origem,
sem nunca se comprometerem com o futuro deste País. Isso precisa mudar. É
preciso investir em educação de qualidade, em período integral, durante pelo
menos trinta anos seguidos. As gerações que formaremos com essa nova educação
poderão mudar nosso país, alterar perniciosas práticas políticas encrustadas no
cotidiano dos três poderes da República. A causa da corrupção está no baixo
nível educacional, e é isto que deve ser atacado. Existe uma omissão histórica
do Estado com relação ao menor, e se não investirmos nele, continuaremos
enxugando gelo.
ESTADO: O
QUE OS JUÍZES PODEM FAZER PARA LIVRAR O PAÍS DA CORRUPÇÃO, ‘MAL DE PROFUNDAS
RAÍZES’, COMO DISSE O CHEFE DA POLÍCIA FEDERAL RECENTEMENTE?
ALI
MAZLOUM: Os
juízes podem muito, mas não podem tudo. Os magistrados são formadores de
opinião e podem, através de suas sentenças, traçar um norte capaz de guiar a
sociedade, de modo a melhorar a forma como as pessoas e as instituições se
relacionam. Os juízes devem, através de trabalho transparente, denunciar as
mazelas existentes em todos os três poderes e pressionar por mudanças, por uma
educação melhor. As sentenças devem ser didáticas e pedagógicas, o que já seria
um grande passo nesse processo de transformação que se faz necessário.
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