Suspeita de favorecimento da prefeitura de Montes
Claros a construtora pode atrasar a inauguração de cemitério. Escutas indicam
que licitação foi feita com cartas marcadas
Alessandra
Mello*
Montes Claros (Norte de Minas) não é Sucupira, mas a cidade, como na
novela O bem amado, de Dias Gomes,
pode ter dificuldades para inaugurar o cemitério que está sendo construído pela
prefeitura na Estrada da Produção, a cerca de 10 quilômetros do Centro. Orçado
em R$ 1.390.715,75, o cemitério faz parte dos contratos investigados pela
Operação Máscaras da Sanidade, deflagrada quinta-feira pela Polícia Federal e o
Ministério Público para desbaratar um esquema de desvios de recursos em
licitações. As fraudes seriam comandadas pelo empresário Evandro Leite Garcia,
preso na operação, dono da Construtora Norte Vale, da Radier Construções e da
EPG Construtora, que mantêm vários contratos com a Prefeitura de Montes Claros,
alvos da operação. A construção do cemitério, com inauguração prometida para
este ano, está entre os contratos suspeitos, aponta o relatório final da
operação, obtido com exclusividade pelo Estado de Minas. A Radier Construções
foi a vencedora da licitação para as obras, uma das poucas da atual gestão de
Luiz Tadeu Leite (PMDB).
Escutas telefônicas feitas entre abril e maio, com autorização da
Justiça, indicam que a concorrência para as obras do cemitério foram fraudadas
com a intenção de favorecer a empresa de Evandro Garcia e que o serviço deve
custar R$ 290 mil de mão de obra mais R$ 400 mil de material. As gravações
mostram ainda o prefeito tentando acelerar a obra, paralisada devido a uma
inspeção do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG).
Nessa interceptação, Tadeu Leite determina ao servidor Romilson Fagundes
da Cunha, do setor de licitação, também preso pela Polícia Federal, que
autorize o início das obras do cemitério mesmo sem os documentos do contrato,
levados por auditores do TCE (veja fac-simile de trecho do relatório da PF). O
prefeito não foi alvo de grampo mas apareceu nas interceptações por causa de
telefonemas dados por ele para pessoas investigadas.
Outro lado Em nota, a Prefeitura de Montes Claros
afirma que o contrato do cemitério "está em sua fase inicial e que não
houve nenhum pagamento relativo ao mesmo". Diz ainda que a administração
pública só "tomou conhecimento de eventuais irregularidades envolvendo as
pessoas e empresas em questão a partir da divulgação da citada operação pela
Polícia Federal".
Evandro Garcia também aparece em um dos grampos,
articulando para tirar da concorrência das obras do cemitério uma empresa
interessada no certame. Uma das estratégias tratadas por ele com Elisângela
Pereira da Fonseca, cunhada do empresário e sócia dele na EPG Construções, é
colocar um valor menor para vencer a disputa e depois fazer aditivos no
contrato para elevar o preço da obra. Também são citadas no relatório conversas
do empresário com o ex-secretário de Administração e Fazenda de Tadeu Leite,
Luiz Eduardo Mota Fonseca, apontado pela PF como lobista e executor em Montes
Claros das obras das empresas do grupo de Evandro Garcia. "Como é que faz
para tirar esses caras?", pergunta o empresário, sendo tranquilizado por
Luiz, que avisa: "Já deve ter uma recomendação interna para tirar
eles" (sic). Em outra conversa, Luiz Eduardo conta que está tudo certo e
diz que a desclassificação da concorrente e a vitória da Radier seriam oficializadas
em 28 de março.
Pouco dias depois dessa conversa – em 30 de março
–, o resultado da licitação foi publicado no Minas Gerais, diário oficial do
estado. O documento, assinado justamente na data citada no diálogo, apesar de a
publicação ter ocorrido dois dias depois, inabilita a Retromáquinas e declara a
Radie vencedora do certame.
Em 31 de março, Evandro Garcia disse, em outro
telefonema, que Luiz Eduardo passasse na sede da Norte Vale para pegar R$ 22
mil. “Embora Luiz (Eduardo) seja um dos executores de obras em que as empresas
de Evandro Garcia sagraram-se vencedoras nos processos de licitação, salta aos
olhos que esse pagamento esteja sendo efetuado exatamente um dia após o sucesso
na fraude no processo licitatório envolvendo a contratação com a Prefeitura de
Montes Claros”. Na conversa gravada, Evandro e Luiz Eduardo agendavam ainda um
encontro para “definir direitinho” a forma de execução da obra. “Infere-se
desse áudio que, uma vez atingido o primeiro objetivo (manipulação do processo
de licitação), entra a segunda etapa (fraude na execução da obra), sem prejuízo
de eventual aditamento ao valor do contrato de forma a aumentar as margens de
lucro”, diz um dos trechos do relatório, que trata exclusivamente da Prefeitura
de Montes Claros.
Entenda o caso
Irregularidades em série
Operação conjunta do Ministério Público estadual e Polícia Federal prendeu na quinta-feira 16 pessoas suspeitas de comandar um esquema de fraudes em licitações e obras em 37 prefeituras do Norte de Minas.
De acordo com as investigações, as irregularidades
alcançam a cifra de pelo menos R$ 100 milhões.
A quadrilha, de acordo com o MP, atuava desde 1994
e era comandada pelo casal Evandro Leite Garcia e Maria das Graças Gonçalves
Garcia, donos das construtoras Norte Vale, Radier Construções e Construtora
EPG, todas com sede em Montes Claros.
Juntas, as três empresas firmaram cerca de uma
centena de contratos com prefeituras da região para a realização de diversas
obras, como construção de postos de saúde, casas populares, rede de esgotamento
sanitário, escolas municipais e de limpeza urbana.
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