sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011: Vazamento ou Informação?...


Clóvis Rossi**
Bom, eis que surgiu nesta quinta-feira, em "El País" o primeiro papel que atiça minhas reticências a respeito do uso dos vazamentos vindos do site WikiLeaks.

Um jornal sério e cuidadoso como o diário espanhol publica uma versão que a embaixada dos Estados Unidos, citada no vazamento, admite não ter como comprovar.

A história em resumo é assim: em abril de 2009, um grupo de elite da polícia boliviana invade um hotel de luxo em Santa Cruz de la Sierra, mata três pessoas e prende outras duas.

A versão oficial: os cinco eram terroristas contratados pelos líderes da Província de Santa Cruz, em conflito com o governo Evo Morales, para preparar uma rebelião armada e matar o presidente.

Versão da embaixada dos EUA, conforme o vazamento: os mercenários foram contratados pelos próprios serviços de inteligência bolivianos para montar uma falsa trama terrorista e justificar a perseguição desatada depois contra os dirigentes de Santa Cruz.

A fonte da embaixada não é identificada e ela própria, diz o jornal, "assegura que não tem forma de comprovar a versão, mas acrescenta que a fonte é uma pessoa bem situada e com uma trajetória confiável".
Trajetória confiável para quem, cara pálida? Para a embaixada, claro. Mas dá para confiar nela se o procurador-geral da Bolívia afirma terem sido decodificados correios eletrônicos de um dos mortos (Eduardo Rozsa Flores, húngaro-boliviano) que supostamente demonstrariam que ele teria contatos com a CIA, a indefectível presença em todas as conspirações, supostas ou reais.

Mas dá para acreditar em autoridades bolivianas, se for correta a versão de armação preparada pelos serviços de inteligência?

Tudo somado, trata-se tão somente de uma guerra de versões sobre um episódio de extrema gravidade, seja qual for a versão correta. A vítima da guerra é o leitor que não tem meios de saber qual das versões é a correta, se é que alguma delas o é.

Não é exatamente o que se espera de um jornal sério. Mas culpar o mensageiro é a maneira mais fácil de escapar pela tangente. Daria para não publicar, ante a avalanche informativa desencadeada pelos vazamentos e a credibilidade que os meios de comunicação em geral atribuíram ao WikiLeaks? Haveria condições de o próprio jornal apurar a fundo qual a verdadeira versão?

Fica claro que, pelo menos nesse caso, turvou-se ainda mais o panorama boliviana, frustrando completamente a transparência que o WikiLeaks diz buscar com seus vazamentos.

De todo modo, Feliz Ano Novo.

* Publicado no Jornal Folha de S. Paulo em 30/12/2010
** Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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